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O que blogs, websites, portais de notícias e veículos de comunicação de modo geral publicam sobre Lúcio Flávio Pinto

Urgente pra quem?

Capa da revista, edição de agosto

O Brasil está prestes a aprovar o novo Código de Mineração, que suscita debates entre ambientalistas. O jornalista Lúcio Flávio Pinto, entrevistado, dá sua opinião.

Artigo publicado na revista Página 22, edição nº 77, agosto de 2013

Por Fábio de Castro

Um dos segmentos que mais crescem no mundo, a indústria da mineração está em franca expansão no Brasil. O governo federal prevê que até 2030 as atividades do setor vão no mínimo triplicar, ou até quintuplicar. A atividade mineradora, porém, é regida por um marco legal obsoleto e não dá à sociedade um retorno compatível com suas agigantadas dimensões. Assim, o Executivo encaminhou ao Congresso, em junho de 2013, o projeto de um novo Código de Mineração, que deverá substituir a legislação atual, instituída em 1967, modernizando as relações entre governo e empresas. O projeto, no entanto, é severamente criticado, por não trazer avanços em relação aos impactos socioambientais – efeitos colaterais da mineração, que deverão se tornar cada vez mais dramáticos em um cenário de crescimento vertiginoso do setor.

A necessidade de substituição do atual marco legal é praticamente consenso. A nova legislação deverá aumentar a arrecadação de royalties, democratizar e desburocratizar os processos de concessão e fortalecer o papel regulador do Estado. Apesar disso, mais de 80 organizações, movimentos sociais e partidos assinaram o manifesto “Código da Mineração, urgência não!”, divulgado no início de julho. Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), um dos signatários do manifesto, afirma que a principal preocupação no momento é reverter a decisão de enviar o projeto ao Congresso em regime de urgência.

Para a sociedade civil, o projeto tem pontos positivos, mas silencia sobre comunidades que sofrem impactos severos, além de deixar lacunas sobre a atividade em Terras Indígenas

O governo alega, em documentos oficiais divulgados no site do Ministério de Minas e Energia (MME), que o projeto vem sendo discutido com a sociedade desde 2009. Mas, de acordo com Valle, esse debate só envolveu os ministérios e as empresas do setor mineral. “Depois de quatro anos de conversas internas e sigilosas com as empresas, o governo quer dar à sociedade apenas 90 dias de discussão pública. Isso não é razoável. Há questões complexas e importantes, como os direitos das populações afetadas, que nem sequer foram mencionadas. O regime de urgência impossibilitará um debate de qualidade”, diz. O MME e a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral foram procurados insistentemente pela reportagem de PÁGINA 22, mas não se pronunciaram até o fechamento.

Apesar da omissão em relação a aspectos sociais e ambientais, Valle afi­rma que a necessidade de modernização da legislação é um consenso. Segundo ele, não se trata de combater o projeto em si, mas de derrubar o regime de urgência para proporcionar um debate que atenda aos anseios da sociedade. “O projeto tem muitos pontos positivos – trata de prazos, licitações, alíquotas de royalties, direitos e deveres das empresas e do governo –, mas silencia sobre milhares de comunidades que sofrem impactos severos da atividade mineradora”, a­firma.

O reajuste dos royalties da mineração é uma das principais mudanças previstas no novo código. O governo quer estabelecer teto de 4% [1]nas alíquotas que incidam no faturamento bruto das empresas. Atualmente, incidem no faturamento líquido e variam de 0,2% a 3%, dependendo do tipo de minério.

Para efeito de comparação, o petróleo – que, como os demais minérios, pertence ao Estado brasileiro – tem alíquotas que chegam a 10% do faturamento bruto. Com isso, em 2010, foram arrecadados R$ 20,8 bilhões em royalties e compensação fi­nanceira do petróleo. Enquanto isso, a mineração, que tem faturamento líquido maior, recolheu só R$ 1,08 bilhão. Além disso, enquanto o petróleo é extraído em maior parte para consumo interno, 75% do minério de ferro é exportado – isto é, o principal produto da mineração brasileira é benefi­ciado com a isenção de ICMS, o que reduz sua contribuição para a sociedade.

Outra diferença essencial é que a exploração do petróleo é feita a partir de concessões estabelecidas em leilões públicos internacionais. “Na mineração, não temos um sistema republicano. Qualquer pessoa ou empresa pode fazer a requisição de pesquisa e lavra. O novo código introduz a ­guia de concessão de exploração mediante licitação pública”, a­firmou Valle. Uma vez realizada a licitação, a empresa vencedora recebe um título único para concessão de pesquisa e lavra. Atualmente não há prazo estabelecido para a licença, mas no novo código o concessionário terá um prazo de 40 anos, renovável por mais 20, podendo ser prorrogados sucessivamente. O ganhador da licença também será obrigado a realizar investimentos mínimos na área concedida.

Além do reajuste dos royalties e da introdução das licitações públicas, o projeto também prevê uma modi­ficação institucional: o Departamento Nacional de Produção Mineral será convertido em uma agência reguladora e será criado o Conselho Nacional de Política Mineral, nos moldes do setor energético.

OS IMPACTADOS

Os avanços propostos são importantes, mas são insufi­cientes, de acordo com Valle. “Temos um problema gravíssimo no sistema legal, que é a subavaliação dos impactados pela mineração. Essas populações são tratadas como cidadãos de segunda classe e os impactos avaliados somente do ponto de vista técnico”, disse. Segundo ele, seria preciso estabelecer critérios para identi­ficar essas comunidades e lhes dar alguma forma de compensação ­financeira.

Problemas complexos relacionados à contaminação das águas super­ficiais, que penalizam as comunidades ribeirinhas, também foram deixados de fora do novo código. “Estamos defendendo que a nova lei, como acontece em outros países, preveja um zoneamento ecológico mineral. Precisamos de princípios gerais que estabeleçam onde a atividade pode ser exercida, preservando mananciais, quilombos, áreas prioritárias de conservação e assim por diante”, defende.

Também contrário ao regime de urgência na votação do projeto, o ex-deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG) acredita que o texto do novo código foi concebido para agradar as empresas mineradoras. O projeto estabelece a obrigação do minerador de recuperar a área minerada, mas não determina punições nem exige garantias. Também não deixa claro a obrigação de mitigar os impactos socioambientais e indenizar as comunidades afetadas. Os proprietários dos imóveis diretamente impactados pela mineração receberão 20% do valor arrecadado com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), mas o benefício não alcança os posseiros e a população atingida de forma indireta. “É gravíssimo que o projeto não toque em questões socioambientais”, diz.

Segundo ele, um exemplo da magnitude do problema é a construção do mineroduto com mais de 500 quilômetros – o maior do mundo – ligando Minas Gerais ao Rio de Janeiro. “O projeto, de­finido como ‘de utilidade pública’ pelo governo mineiro, foi vendido para a Anglo American, com uso gratuito da água, e está sendo questionado pelo Ministério Público por uma série de aspectos relacionados ao licenciamento”, diz Oliveira. O novo código, segundo ele, não contribui para evitar esse tipo de problema. “O projeto enviado ao Congresso não tem uma só linha sobre política de recursos hídricos para uso de água no transporte e benefi­ciamento de minérios”, diz. Procurada pela reportagem, a Anglo American preferiu não se pronunciar.

A introdução das licitações e a declaração de caducidade da lavra são avanços do novo código, impedindo transações que visam perpetuar as concessões e criar monopólios

“A política mineral tem sido tratada em terceiro plano pelo governo federal e o governo mineiro se omite completamente em relação ao código”, declarou Oliveira. Segundo ele, o estado de Minas Gerais detém mais da metade da produção mineral brasileira e 70% da exploração do minério de ferro[2] , que é o carro-chefe do setor no Brasil. “Os lucros das empresas hoje são gigantescos, mas não se pensa em uma cadeia produtiva de agregação de valor.Tudo isso bene­ficia muito pouco o País. Hoje, no Norte de Minas Gerais, por exemplo, podemos dizer que o subsolo pertence a empresas da China.” A reportagem procurou repetidamente ouvir o setor empresarial, representado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Com o lançamento do Plano Nacional de Mineração 2030, em fevereiro de 2011, os pedidos de concessão de lavra pararam de ser atendidos, a ­fim de que em alguns meses fossem incluídos já nas regras do novo código. “Com esse represamento de pedidos, a pressão das empresas é grande e esse é o álibi para que o governo apresente o projeto em regime de urgência. Não seria preciso urgência – bastaria incluir uma cláusula determinando retroatividade do novo código para inscrições feitas até certo momento”, explica Oliveira. Com o regime de urgência, segundo ele, o debate público ­ficará impossibilitado.

EXPANSÃO AMAZÔNICA

Se Minas Gerais concentra hoje as atividades de mineração no Brasil, a Amazônia é o principal foco de expansão dos negócios no setor. Os investimentos de R$ 350 bilhões previstos pelo Plano de Mineração até 2030 são destinados prioritariamente à Região Amazônica. Ali, tornam-se ainda mais dramáticas as pressões ambientais e sociais que preocupam os críticos do novo código.

De acordo com o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, responsável pelo Jornal Pessoal, de Belém, o marco legal atualmente em vigor foi concebido em um contexto de estímulo para a ocupação da Amazônia. O código foi instituído em 1967, dois anos após a descoberta da jazida de Carajás e uma década depois das primeiras atividades de lavra de minério na Amazônia – o manganês no Amapá. A partir daí, o Pará, que se limitava à garimpagem do ouro, tornou-se o segundo maior produtor mineral do Brasil.

“O código em vigor tem uma fi­losofi­a desenvolvimentista, sem nenhum condicionante ambiental e sem preocupação com a regulamentação da atividade. Ele fez do requerimento de lavras um processo espúrio, no qual ganhava o primeiro a chegar. A irracionalidade preponderava”, declara Lúcio Flávio. Segundo ele, desse ponto de vista, a introdução das licitações é um grande avanço do novo código, assim como a declaração de caducidade da lavra – que deverá impedir transações políticas e comerciais que visam perpetuar as concessões e criar monopólios.

“Mas, do ponto de vista social e ambiental, o novo código traz grandes problemas”, disse Lúcio Flávio. Na Amazônia, uma lacuna específi­ca do novo código ganha contornos mais graves: a questão da mineração em Terras Indígenas. “Até hoje não se tem uma defi­nição clara sobre a legalidade de minerar nessas áreas. Também não se defi­niu qual o poder decisório dos índios. A posição dominante é que o índio tem direito a royalties e indenização, mas não tem poder decisório, muito menos operacional.” Um dos problemas mais preocupantes do novo código, no entanto, é a questão da extinção de jazidas. “As mineradoras passam todo o tempo da vida útil de jazida formando um fundo de exaustão, para recuperar o local após o uso. Mas as exigências são tão fluidas e frágeis que, na prática, não há recomposição da paisagem”, diz.

O exemplo mais gritante desse problema, segundo Lúcio Flávio, é o caso da Serra do Navio, no Amapá – a mais rica jazida de manganês do planeta. “A empresa (Icomi, já extinta) teve a concessão por 50 anos, mas antes disso houve exaustão e não houve a recomposição da paisagem. Não ­ficaram apenas todos os buracos, mas também grandes quantidades de lixo industrial e resíduos de arsênio, substância letal produzida por uma experiência pioneira de pelotização de manganês”, afirma. Os resíduos, em região próxima a Macapá, afetaram 2 mil pessoas. “O índice de câncer nessa população é um caso de calamidade pública”, ressalta Lúcio Flávio.

Em geral, quando uma jazida se esgota, as populações locais ficam inteiramente abandonadas. “Isso se explica pelo fato de que hoje o minério de ferro, ao lado da soja, é o maior produto de exportação do Brasil. Nunca um mineral teve tanto peso na economia brasileira, com exceção do ouro no século XVIII”, diz.

Aumentar os royalties sem discutir participação nos lucros, de acordo com Lúcio Flávio, relativiza os benefícios da atividade mineradora para o País. A proposta do Executivo é que as alíquotas hoje incidentes sobre o faturamento líquido passem a ser calculadas sobre o faturamento bruto das empresas. Mas, para ele, ainda assim, a participação nos lucros ­ficará limitada, já que boa parte dos minérios tem seu valor calculado pelo custo de extração na boca da mina, sem valor agregado. “Os royalties serão calculados a partir do faturamento bruto da produção. Mas seria preciso também garantir uma participação a ser calculada sobre o lucro líquido”, propõe.

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Que ameaça a liberdade de expressão no Brasil

Outras Mídias

Outras Mídias

Reproduzido no Outras Mídias em 3 de maio de 2013. Com a edição original.

Por Bajonas Teixeira de Brito Junior *, no Congresso em Foco

As notícias sobre a estranha condenação do jornalista Lúcio Flávio Pinto, os dados acerca do aumento chocante do número de jornalistas assassinados em 2012 e a constatação da quase completa impunidade em crimes desse gênero indicam um cenário de alto risco para a prática do jornalismo investigativo e crítico — leia-se: para o exercício do jornalismo democrático — no Brasil atual. Entre as diversas fontes que podem ser citadas para sustentar essa constatação, escolhemos uma matéria da agência EFE, de outubro de 2012, publicado no G1 com o título “Brasil é o quarto país mais perigoso do mundo para jornalistas“. Relata a matéria:

“O Brasil é o quarto país mais perigoso para os jornalistas, informou nesta terça-feira (2) a Press Emblem Campaign (PEC), uma organização civil que busca a proteção dos comunicadores espalhados pelo mundo. Sete jornalistas foram assassinados no Brasil neste ano, o que deixa o país atrás apenas de Síria (32), Somália (16) e México (10).  Ao todo, 110 profissionais foram assassinados em 25 países nos primeiros nove meses do ano, um número ‘jamais registrado em um período similar’, disse o secretário-geral da PEC, Blaise Lempen, em Genebra, onde funciona a entidade.”

O Brasil aparece em quarto lugar no momento em que o número de jornalistas assassinados no mundo chega a um montante “jamais registrado em um período similar”. Seria preciso mais que isso para nos deixar bastante alarmados? Dificilmente. No entanto, por mais eloquentes que sejam os números, a situação é ainda mais grave quando refletimos sobre eles. Um mínimo de consideração qualitativa dos países que disputam os primeiros lugares com o Brasil dissipa qualquer dúvida. Vejamos: a Síria vive uma guerra civil de extrema violência, agravada pela ajuda em armamentos e recursos da parte da OTAN aos rebeldes. Já o México, engolfado pela corrupção e pelo narcotráfico, atravessa uma espécie de “guerra do fim do mundo” enquanto a Somália, por sua vez, depois de vitimada por tantas tragédias, já é o próprio fim do mundo.

O que podemos concluir? Que o Brasil, que a crônica política teima em representar como país em plena floração da democracia, foi em 2012, dentre os países em situação institucional “normal”, o mais perigoso do mundo para jornalistas. Assim foi em 2012. Ou seja, num contexto sem paralelo de letalidade no exercício dessa profissão no mundo todo. Como documentamos adiante, o país viveu um salto vertiginoso no número de assassinatos de jornalistas quando observada a série histórica dos últimos 20 anos. Enquanto nos anos passados verificou-se em média menos de um assassinato por ano, em 2012 tivemos sete.

A ameaça da violência material não é o único risco que aflige a atuação do jornalista no exercício de sua atividade. Tanto na figura da pessoa singular como na de membros de um grupo profissional, a violência simbólica, ou institucional, não é menos nociva para a imprensa como instituição democrática, uma vez que se presta a inibir o espírito investigativo e a audácia crítica. Desde as legislações aviltantes contra os jornalistas na França, na Prússia e na Áustria no século XIX, os processos nos tribunais contra profissionais da imprensa têm sido um meio muito efetivo para silenciar os que ousam fazer denúncias.

Arrastar o jornalista de humilhação em humilhação, de sobressalto em sobressalto, fazendo-o penar durante anos nos corredores e salas de audiência dos tribunais, obrigá-lo a padecer o inferno de Dante dentro do pesadelo de Kafka, percorrendo a via crucis das expectativas frustradas e do sentimento de impotência sempre renovado, produz efeitos muito graves. O que por aí se almeja, mesmo que não se faça intervir a violência física, não deixa de resultar numa espécie de óbito, isto é, a morte profissional.  Esta modalidade de morte, pelo sofrimento moral que acarreta, não é menos violenta que a morte física.

De fato, o que constitui a pessoa humana nas coletividades modernas é a dignidade fundamentada na ordem jurídica, para o que são acionadas as garantias essenciais de uma vida produtiva em sociedade: trabalho, proteção das liberdades, respeito à honra, segurança, etc. Ao privar um sujeito de seus meios de existência como pessoa humana (através do exercício de sua profissão), subtrai-se dele os fundamentos que sustentam suas perspectivas de valor e significação no âmbito do Estado de Direito. No caso do jornalismo, isso não poderia deixar de ter como efeitos a difusão de uma atmosfera de intimidação que, como é evidente, só pode ter efeitos muito nocivos para a liberdade de informação e o direito à informação. Que jornalismo investigativo e crítico é possível quando se está, permanentemente, sob a ameaça da dura lexdos tribunais? Uma tal situação, onde quer que se instale, rebaixa a consciência política do conjunto da sociedade, e tem naturalmente efeitos potencialmente desastrosos para as perspectivas da democracia.

A desproporção entre a indenização a que foi condenado o jornalista Lúcio Flávio Pinto, o pagamento de R$ 410 mil (ou 600 salários mínimos), e as indenizações que normalmente vemos sendo pagas no Brasil por crimes os mais contundentes (como racismo, homofobia, intolerância, etc.), ainda quando praticados por grandes empresas, que, em geral, não costumam ir além dos R$ 20 mil, e mesmo assim apenas nas raras vezes em que são punidos, deixa uma sensação de perplexidade.

No Brasil hoje parece lícito constatar a ação de duas pontas de uma mesma tenaz, ou as duas extremidades de uma mesma pinça, que se fecham sobre a prática do jornalismo investigativo e crítico com virulência cruel. Parece urgente que os profissionais da imprensa, os pesquisadores da comunicação, os Observatórios da Imprensa, a ABI, as entidades ocupadas com a segurança dos jornalistas, como a organização americana Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), as organizações da sociedade civil identificadas com a defesa das liberdades e da moralidade pública, como a OAB, passem à ofensiva para fazer recuar a onda de agressividade que ameaça, neste momento, as garantias tradicionalmente conferidas aos profissionais do jornalismo nos países desenvolvidos.

É preciso lembrar, voltando ao aspecto da violência física, que, como denunciou o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), entre 1992 e 2012 (duas décadas), 20 jornalistas foram assassinados no país, e que desses, 14 casos permanecem ainda não esclarecidos. Assim, a impunidade nos crimes de mando contra jornalistas chegou no país a 70%. Mas o mais preocupante é que, segundo os dados da PEC que citamos no início deste artigo, 7 assassinatos (mais de 30% dos casos) ocorreram em um único ano, em 2012. Isso indica duas coisas: 1) que houve um crescimento percentual desnorteante das mortes neste último ano e 2) que a democracia brasileira, ao invés de ilustrar um amadurecimento dos direitos humanos, desenha claramente uma curva na direção do barbarismo. O levantamento do Comitê para a Proteção dos Jornalistas constatou também que a maior parte dos jornalistas assassinados o foram por suas investigações e denúncias de práticas de corrupção. Ou seja: não só os crimes associados à corrupção resguardam a tradicional impunidade no Brasil, mas, sobretudo, crescem de forma exorbitante os crimes contra aqueles que denunciam os crimes da corrupção. Antes a corrupção não ousava o que agora se torna rotina.

Como deixar de tirar as conclusões que se impõem, em especial no que diz respeito à letalidade da “democracia” brasileira que, em todos os aspectos significativos de tolerância e amadurecimento das relações humanas (seja quanto aos homossexuais, aos negros, aos jovens, às mulheres, aos jornalistas, aos índios, etc.), mostra tendências tenebrosas? No que diz respeito aos homossexuais, por exemplo, vemos a cada ano se repetirem as estatísticas que desmascaram o aumento da violência e do sadismo. Já em 2010, falava-se de “epidemia de ódio” contra os homossexuais, com 260 mortes. Esse número, em 2012, ao invés de cair, cresceu para 266 casos.

Ora, não é contraditório que os supostos “crimes” praticados com a caneta, isto é, aqueles atribuídos aos jornalistas e escritores que denunciam atos lesivos à democracia e ao interesse público, sejam objeto de penas severas por parte do Judiciário — como foi o caso com Emir Sader, em 2006, e agora com Lúcio Flávio Pinto —, enquanto os crimes perpetrados contra jornalistas adormeçam impunes antes de caírem no esquecimento? Como é possível que a impunidade de 70%, como assinalamos acima no caso das mortes de jornalistas, conviva com as elevadas penas aplicadas aos jornalistas que trabalham pela democracia?

Não esqueçamos que se, como é bem conhecido, numa guerra, para cada morto, se tem entre três e seis feridos, os danos são bem maiores do que os assassinatos permitem estimar. Quantos são hoje nos Brasil os jornalistas humilhados, perseguidos, intimidados, enfim, silenciados pelo poder conjugados das duas tenazes apontadas acima? Aqui está o depoimento de um deles extraído da matéria “70% dos assassinatos de jornalistas no Brasil ficam impunes”:

Após escrever reportagens sobre assassinatos extrajudiciais cometidos por maus policiais em 2003, o repórter especial paulistano J., de 54 anos, começou a receber ameaças e teve que “desaparecer” por 40 dias. Depois trabalhou por mais de quatro meses protegido por uma escolta armada.

“Muda tudo na sua vida. Você se dá conta que é extremamente vulnerável”, afirmou J. “A minha família ficou desesperada, se eu atrasasse cinco minutos era motivo para muita preocupação. Quase entrei em depressão”, disse.

E dentro da espiral de intensificação da violência instaurada no país contra a prática do jornalismo investigativo e crítico, que se deve ler o depoimento tão eloqüente do assassino do jornalista Décio Sá registrado na matéria do jornalista Zeca Soares publicada no G1. A naturalidade com que o executor narra sua ação, como uma mera trivialidade, não deixa qualquer margem a dúvidas sobre o quanto se banalizou a “execução extrajudicial”, digamos assim, de jornalistas no Brasil:

Policial: “Quê” que ele pronuncia pra ti na hora que tu olha ele e ele te olha? Tu lembra assim?

Jhonathan: Lembro. Ei, moço! Ei, moço!

Policial: Aí tu já?

Jhonathan: Aí eu já… agora diz que ele caiu sentado só de bruço, mas ele não caiu sentado. Ele levantou pra empurrar a mesa e eu atirei nele.

Policial: Ele levanta empurrando? Como se fosse empurrar a mesa?

Jhonathan: Empurrou a mesa. Talvez ele não chegou nem a empurrar a mesa, só fez menção, mas ele ia empurrar e eu atirei nele.

Policial: Na cabeça?

Jhonathan: Na cabeça.

Policial: Aí ele caiu como?

Jhonathan: Aí ele caiu “pra riba” da mesa, entendeu?

Policial: Aí os outros tiros que tu dá, ele tá em cima da mesa?

Jhonathan: Em cima da mesa! Ele ficou “em riba” da mesa.

Policial: Até a hora que tu saiu ele ficou em cima da mesa?

Jhonathan: Foi ligeiro moço! Isso é rapidão. É lau, lau, lau, lau e fui embora. Entendeu?

Policial: Quando tu dá as costas ele continua em cima da mesa?

Jhonathan: Continua em cima da mesa. Rapaz isso é questão de 5 segundos. Não gasta 5 segundos, não (leia a reportagem).

* Doutor em Filosofia, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas. É coordenador da revista eletrônica Humanas e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

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Lúcio versus Rominho na versão de Luiz Pinto

Charge de Luiz Pinto para o Blog do Luiz Pê: http://blogdoluizpe.blogspot.com.br/

Cartum para o Blog do LuizPê

Veja a postagem original aqui.

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Kafka perde

Publicado no Diário do Pará, edição de 6 de fevereiro de 2013

Por Elias Ribeiro Pinto

1 “Viver não é fácil, não, pergunte pro meu coração.” Pois é assim mesmo, como diz a música. Querem um exemplo? A recente decisão do Tribunal de Justiça do Pará, que deu guarida à ação que impor ao jornalista Lúcio Flávio Pinto pagar indenização por danos morais e materiais de 600 salários mínimos – hoje em torno de R$ 410 mil – a Romulo Maiorana Jr, sem a atualização monetária e as onerações judiciais. Há outra ação ainda em curso que cobra indenização maior.

2 Desde 1992 que o Lúcio (e o seu “Jornal Pessoal”) é submetido “a tenaz perseguição por três herdeiros das Organizações Romulo Maiorana, um dos maiores impérios de comunicação do país”. Os irmãos Rosângela, Romulo e Ronaldo Maiorana propuseram, contra o jornalista, entre 1992/93 e em 2005, o total de 19 ações – cíveis e criminais.

3 “Talvez não haja registro, na história da imprensa brasileira, de fenômeno igual: uma empresa jornalística a patrocinar tantas demandas em juízo contra um único jornalista. Com a inusitada circunstância de que os donos de tal empresa jamais enviaram ao suposto ofensor uma única carta, no exercício do direito de resposta, nem utilizam seus poderosos veículos de comunicação para contrapor seus argumentos e informações, que são apontados como a causa da ida aos tribunais, caso realmente buscassem a verdade e em respeito à opinião pública”, observa Lúcio em recente nota que circula nas redes sociais.

4 “A motivação”, prossegue, “tornou-se evidente a quem acompanha esse longo percurso de mais de 20 anos: acabar com a existência do ‘Jornal Pessoal’. Eles alegaram ‘perda de capital’ em função do artigo que escrevi, com o título de ‘O rei da quitanda’. Se houve mesmo perda de capital, ela teria que ser apontada entre um e outro exercício, já que o artigo é de 2005. Romulo Jr. e Delta Publicidade, empresa responsável pelo jornal ‘O Liberal’, se recusaram a fornecer os documentos. Foi o que declararam em plena audiência, diante do juiz, caracterizando a desobediência judicial”. Essas provas, argumenta o editor do JP, mostrariam se houve de fato “‘perda de capital’ para os autores, conforme eles alegaram, causada pelo meu artigo”.

5 Ronaldo Maiorana, irmão de Romulo Jr., agrediu Lúcio Flávio Pinto fisicamente, em janeiro de 2005, “arengando que assim reagia ao conteúdo do artigo. Depois se disse arrependido, mas essa revisão não foi suficiente para fazê-lo retirar qualquer das 14 ações que ele e o irmão ajuizaram contra mim depois da agressão, com o nítido propósito intimidatório e para inverter as posições no episódio: de vítima eu passaria a réu”.

6 Tudo o que o jornalista disse em sua defesa, judicialmente, “foi ignorado”. “No lugar da dialética processual”, Lúcio foi contemplado com “o silêncio monocrático do julgador, um Grande Irmão. Um diálogo de mudo compulsório com surdo conveniente, que caberia bem na ficção do absurdo de Franz Kafka”.

7 Lúcio, meu irmão, vou discordar de você: como leitor de Kafka posso garantir que o notável autor de “O Processo” – que legou ao mundo, além de uma literatura tão genial quanto incômoda, o adjetivo kafkiano para espelhar o descomunal absurdo jurídico, policial e existencial a que um poder, quase incorpóreo e inalcançável de tão opressivo, pode chegar no objetivo de esmagar um ser humano –, posso lhe garantir, como eu dizendo, que até mesmo Kafka se sentiria derrotado diante do absurdo a que você vem sendo submetido pela Justiça do nosso Estado. Você e todos aqueles que – ainda que podendo salutarmente (quando for o caso) discordar de sua pena que jamais será de aluguel – tenham como meta defender e buscar um futuro menos desanimador para a nossa região. No mais, para terminar como se começou, com uma nota musical, quero lhe dizer: aguenta, coração. Não nos vá explodir (e o seu bom humor é um santo remédio). Continue batendo, ainda que o (momentâneo) martelo da justiça – para muito além de Kafka – lhe queira calar.

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Caso de Lúcio Flávio Pinto foi abordado no programa Voz do Cidadão, da CBN

Na tarde desta terça, 05, durante a veiculação do último boletim do programa Voz do Cidadão, o comentarista da rádio CBN Jorge Maranhão abordou o manifesto do Comitê de Proteção para Jornalistas (CPJ) divulgado na semana passada em defesa de Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal recentemente sentenciado pela justiça paraense a pagar cerca de R$ 410 mil por danos morais e materiais, após veiculação de matéria sobre o acúmulo de patrimônio por um grupo de comunicação local, as Organizações Romulo Maiorana.

No programa, que teve como tema “Quando a liberdade de expressão é ameaçada pela própria justiça?”, Maranhão menciona uma série de casos de perseguição judicial, por meio dos quais veículos de comunicação de todo o Brasil são inviabilizados de realizar plenamente seus trabalhos por manifestarem críticas contra os poderes públicos e grandes grupos empresariais locais.

“O Brasil tem que definir de uma vez por todas se é uma republiqueta totalitária, coibindo a liberdade do cidadão de se exprimir, ou se quer ser um país com cidadania desenvolvida”, criticou Maranhão.

Clique aqui e ouça o comentário na íntegra.

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Geógrafos do Pará divulgam nota em apoio a Lúcio Flávio Pinto

Com edição feita pelo blog. Leia aqui a nota original.

OS DONOS DO PODER

Nota de Apoio ao Jornalista Lúcio Flávio Pinto

Belém-PA, Amazônia, 28/01/2013

Prezado jornalista Lúcio Flávio Pinto,

A Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Belém, por meio de sua atual Direção, vem prestar-lhe toda sua inquietação ao tratamento dispensando pelo Poder Judiciário do nosso estimado Estado, imputando-lhe multa.

Não somos contrários à Justiça, mas, como cidadãos e  geógrafos, atentos ao conjunto dos fatos que rondam a Amazônia, não podemos nos calar diante do ocorrido.

Esta entidade ressalva que vosso nome e, sobretudo, suas contribuições para o jornalismo e para a Amazônia fazem parte do cotidiano acadêmico, das salas de aulas ou do conjunto de algumas produções que revelam os desmandos e a depredação por parte daqueles que se consideram “os donos do poder”, parafraseando a obra de Raymundo Faoro (1957), curiosamente publicada sob os auspícios da editora Globo, registre-se.

No que depender de nós, utilizaremos do expediente necessário para fazer ouvir tal desmedida decisão convertida em multa e/ou, quando solicitam “os donos do poder”, impedimento em calar a [vossa] verdadeira imprensa.

Nos prestamos a lhe dar força no enfrentamento, nesta luta Pessoal, compartilhada por nós que representamos a comunidade geográfica belenense, quiçá paraense, pois a mesma força que tenta te calar ressoa-nos de indignação aos desmandos de uma imprensa que notoriamente entretém e convém  aos desavisados. Ao contrário de ti, que a trata pela verdade, não subsidiado em meros fatos do momento, mas de um genuíno jornalismo.

Lamentavelmente tiram-lhe as vendas dos olhos e amordaçam a vossa boca.

Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Belém.

Att. A Direção

***

Nota do blog: a obra Os donos do poder, de Raymundo Faoro, foi originalmente editada e publicada pela legendária editora gaúcha Globo, quando ainda pertencia à família Bertaso, de Porto Alegre. A empresa e seu catálogo foram adquiridos pela família Marinho em 1986, daí os vínculos relacionados à marca.

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Condenação de Lúcio Flávio Pinto repercute no Brasil e no exterior

Repercutiu no país e até no exterior a última sentença do judiciário paraense ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, condenado a pagar indenização de  600 salários mínimos (quase R$ 410 mil) por danos morais e materiais ao empresário Romulo Maiorana Júnior e à empresa Delta Publicidade S/A, de propriedade da família que detém um dos maiores grupos de comunicação das regiões Norte e Nordeste, as Organizações Romulo Maiorana (para entender o caso, clique aqui).

A notícia foi veiculada no dia 23 e, por se configurar em ameaça à liberdade de imprensa, na medida em que envolve o pagamento de um valor excessivo a um grupo empresarial por um jornalista, impedindo a continuidade de suas ações junto ao periódico alternativo que mantém quinzenalmente, tem se replicado em blogs, portais de notícias e páginas pessoais de  formadores de opinião, como os jornalistas Ricardo Noblat e Paulo Henrique Amorim.

Também circulam informações sobre o caso veículos nacionais especializados em política, imprensa e direitos humanos, como os websites Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum,  e estrangeiros , a exemplo do Blog Jornalismo nas Américas, mantido em três idiomas pela Universidade do Texas.

Clique nos títulos abaixo e confira as principais manchetes reproduzidas até o momento:

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Revista Fórum, em 23.01.2013;

Jornalista Lúcio Flávio Pinto é condenado a pagar 410 Mil reais a Rômulo Maiorana – Tribo dos Caboclos, em 23.01.2013;

Lúcio Flávio Pinto é novamente condenado a pagar indenização exorbitante ao Grupo Liberal – O Estado do Tapajós, em 23.01.2013;

Jornalista condenado a pagar R$ 410 mil – Blog do Gerson Nogueira, em 23.01.2013;

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Acorda Pará, em 23.01.2013;

Jornalista é condenado a pagar quantia exorbitante – Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, em 24.01.2013;

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Ecoagência Solidária de Notícias Ambientais, em 24.01.2013;

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Envolverde Jornalismo & Sustentabilidade, em 24.01.2013;

Liberdade de expressão ameaçada – Congresso em foco, em 25.01.2013;

Jornalista Lúcio Flávio Pinto é condenado a pagar indenização excessiva a empresário – Yahoo Notícias, em 25.01.2013;

Liberdade de expressão ameaçada – Blog do Noblat, em 25.01.2013;

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Instituto Humanitas Unisinos, em 25.01.2013;

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Brasil de Fato, em 28.01.2013;

Jornalista processado por dono de mídia no Pará é condenado, mas sua luta pela liberdade de expressão continua – Blog Jornalismo nas Américas, em 28.01.2013;

Periodista brasileño condenado a pagar cerca de $200 mil dólares afirma que continuará lucha por la libertad de expresión – Blog Peridismo en Las Americas, em 28.01.2013;

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em 28.01.2013;

Brazilian journalist sentenced to pay $205,000 says he will continue fight for freedom of expression – Blog Journalism in the Americas, em 29.01.2013.

Manifeste apoio e divulgue o caso você também.
Última atualização em 29.01.2013, às 20h26m

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Nota ao Público de Lúcio Flávio Pinto

Espero que o leitor me permita submeter-lhe um texto mais longo do que o geralmente recomendável para circular pela internet. Estou convencido que um relato mais pormenorizado lhe permitirá, chegando ao final do texto, constatar que minha história não é apenas um caso individual: serve de exemplo e atestado da venalidade de certos magistrados e do mal que eles causam à instituição, tanto no Pará como em todo país. LÚCIO FLÁVIO PINTO.

Desde 1992 sou submetido a tenaz perseguição por três herdeiros das Organizações Romulo Maiorana, um dos maiores impérios de comunicação do país, com uma emissora de televisão, líder em audiência, afiliada à Rede Globo, dois jornais diários, emissoras de rádio, empresa de TV a cabo eutros negócios. Os irmãos Rosângela, Romulo e Ronaldo Maiorana propuseram, entre 1992/93 e em 2005, o total de 19 ações – cíveis e criminais – contra mim.

Talvez não haja registro, na história da imprensa brasileira, de fenômeno igual: uma empresa jornalística a patrocinar tantas demandas em juízo contra um único jornalista. Com a inusitada circunstância de que os donos de tal empresa jamais enviaram ao suposto ofensor uma única carta, no exercício do direito de resposta, nem utilizam seus poderosos veículos de comunicação para contrapor seus argumentos e informações, que são apontados como a causa da ida aos tribunais, caso realmente buscassem a verdade e em respeito à opinião pública.

A motivação tornou-se evidente a quem acompanha esse longo percurso de mais de 20 anos: acabar com a existência do Jornal Pessoal, pequena publicação alternativa, pobre de meios, mas que resiste em circulação há 25 anos, denunciando ilicitudes e ilegalidades praticadas por poderosos na Amazônia. O propósito de acabar com uma publicação que tem credibilidade e reconhecimento nacional e internacional já se teria desmoralizado, não fora a acolhida dada em certas instâncias às absurdas pretensões dos autores de tais demandas.

A etapa atual desta história, uma das 33 novelas kafkianas que enfrento na justiça há mais de 20 anos, começou com um recurso, o agravo de instrumento, em 17 de setembro de 2008.

Usei-o contra a decisão do juiz da 6ª vara cível da comarca de Belém. Mairton Carneiro encerrou abruptamente a instrução da ação de indenização por danos materiais e morais proposta contra mim por Romulo Maiorana Júnior e Delta Publicidade, das 15 de que lançaram mão para tentar me intimidar e calar, depois que fui agredido fisicamente por Ronaldo Maiorana, irmão de Romulo e um dos donos do maior grupo de comunicação do norte do país, o Liberal, afiliado à Rede Globo de Televisão.

Os dois autores alegaram que matéria publicada na edição nº 337, da 1ª quinzena de janeiro de 2005, do meu Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém do Pará há mais de 25 anos, ofendia sua honra e sua imagem, e causara “perda de capital” à empresa.

Cobraram o equivalente a 600 salários mínimos por esses danos (408 mil reais de hoje, sem os acréscimos judiciais), metade do valor para cada conjunto de danos que citaram em juízo. Requereram também a tutela inibitória e antecipatória.

Através desse procedimento, que corresponde a um verdadeiro ato de censura por meio do poder judiciário, pediram a publicação da sua resposta, com o mesmo destaque da reportagem que consideram ofensiva. Pretendiam ainda que eu fosse impedido de publicar novas matérias sobre os dois personagens.

A carta, que materializaria o exercício do direito de resposta, no entanto, não constou da peça inicial, uma falha que contrariou a regra processual sobre a questão, destituindo a pretensão de qualquer amparo legal que eventualmente pudesse ser suscitada em seu favor.

Por isso mesmo, a medida inibitória e a tutela antecipada, que são decisões liminares, foram indeferidas pela juíza que funcionou inicialmente no feito. Luzia do Socorro dos Santos considerou o objetivo requerido incompatível com a vedação constitucional à censura, elemento vital à caracterização e concretização do estado democrático de direito.

A decisão de 1º grau foi confirmada pela desembargadora-relatora. que indeferiu a antecipação de tutela aventada pelos dois autores, por ser totalmente incabível e impertinente. Se quisessem a publicação de sua resposta, bastaria aos Maioranas enviar a carta ao meu jornal, que tem como uma das suas diretrizes editoriais reproduzir as cartas dos leitões – e na íntegra.

A instrução da ação começou então com a audiência preliminar, mas as partes não conciliaram. Nessa audiência, ocorrida em 28 de junho de 2006, meu advogado e se manifestou, “ratificando as provas já especificadas”. A juíza determinou “a produção das provas no prazo de 30 dias, inclusive as requisições especificadas”.

Essas provas eram “os autos de cópia de balanço anual da empresa referente a 2004, com suas demonstrações contábeis integrais, e documentos comprobatórios do movimento de receita e despesa da empresa, mês a mês, ao longo de 2005. Tais documentos permitirão aferir o resultado do prejuízo declarado pela autora como consequência do material jornalístico de responsabilidade do demandado”.

Em 1º de agosto de 2006 o diretor de secretaria da 3ª Vara certificou que “transcorreu o prazo sem que a parte autora apresentasse manifestação quanto à decisão de fls. 199”.

A juíza considerou então saneado o processo. Deixou para resolver na sentença de julgamento de mérito apenas as preliminares (fls. 199).

Dois dias após a audiência de conciliação, em 30 de junho de 2006, requeri, como prova nova aditada, que ao balanço anual da empresa de 2004, o único que havia quando da propositura da ação, fossem juntadas as demonstrações contábeis referentes ao exercício de 2005.

A juíza Margui Gaspar Bittencourt, a segunda a funcionar no feito, deferiu o pedido, intimando Delta Publicidade, empresa responsável pelo jornal O Liberal, a juntar os documentos solicitados, “incluindo o Balanço Anual de 2005, sob as penas do art. 359 do CPC”.

Os autores tentaram obter a reconsideração desse despacho. Eu os contestei, fundamentou largamente a necessidade das provas materiais para o deslinde da causa e, em face de já estar caracterizada a desobediência dos autores prevista no art. 357 do Código de Processo Civil, pedi que lhes fossem aplicadas também as penas do art. 359 do mesmo diploma legal.

Antes que a juíza pudesse se manifestar, por redistribuição, quando da reorganização feita em 2007 pelo judiciário do Pará, redefinindo as funções das varas do fórum de Belém, os autos foram enviados para novo juiz, Mairton Marques Carneiro.

Em seu primeiro despacho, de 11 de abril de 2008, Mairton designou audiência de instrução e julgamento e determinou: às partes que apresentassem “as testemunhas por elas arroladas, sendo que nesta audiência serão resolvidas questões processuais pendentes”.

A audiência foi realizada no dia 10 de setembro do mesmo ano. Nela, os autores desistiram de ouvir suas testemunhas. Eu ratifiquei o pedido de oitiva das minhas testemunhas de defesa. O pedido foi indeferido pelo juiz, sob o argumento de que o momento processual passara sem que o eu tivesse especificado a prova testemunhal, embora o próprio juiz houvesse convocado expressamente as testemunhas arroladas, inclusive pela defesa, para serem ouvidas na audiência.

Os autores deixaram de apresentar os documentos que o juízo lhes intimara a juntar aos autos do processo, apresentando suas razões, que o juiz decidiu examinar apenas “por ocasião da prolatação da sentença de mérito”.

Minha advogada agravou de forma retida, oralmente. O Juízo indeferiu o recurso e abriu logo as alegações finais. Os autores pediram o julgamento antecipado da lide. Minha advogada insistiu na necessidade das provas requeridas e deferidas, sob pena de cerceamento do direito de defesa; e pediu a suspensão do feito até o pronunciamento do STF sobre a vigência da Lei de Imprensa, por eles utilizada na fundamentação da ação.

O juiz, no entanto, considerou encerrada a instrução e determinou as providências finais para sentenciar o processo, ignorando a intimação baixada por seus antecessores para a juntada dos documentos como elemento de prova da defesa.

Esse procedimento tendencioso e arbitrário me levou a arguir a suspeição do titular da 6ª vara cível), que, açodadamente, encerrara a instrução, sem permitir ao réu se defender pelos meios já indicados e sancionados. Mairton Carneiro. reconheceu sua suspeição, mas alegou fazê-lo por motivo de foro íntimo.

O processo foi mais uma vez redistribuído, cabendo-o à titular da 3ª vara cível,. Teresinha Nunes Moura. Em decisão interlocutória (ou intermediária), ela reconsiderou parcialmente a decisão do seu antecessor apenas em relação à prova oral, para que fossem ouvidas as minhas testemunhas (já que Romulo e Delta dispensaram as duas testemunhas que arrolaram), antes dispensadas arbitrariamente, e o autor da ação, Romulo Maiorana Júnior, cujo testemunho também requeri. Mas indeferiu a produção da prova documental, decisão que já havia sido tomada durante a instrução processual.

Os autos do processo comprovavam que, em audiência realizada em 28 de junho de 2006, a juíza que então respondia pela 4ª vara cível, deferiu integralmente as provas por mim requeridas, tanto as provas emprestadas indicadas quanto o balanço da autora Delta Publicidade referente ao exercício de 2004, com os documentos que acompanham as demonstrações contábeis. A representante legal dos autores não impugnou nenhuma das provas.

Dois dias após a audiência, aditei as provas, solicitando que também fossem juntadas as demonstrações financeiras do exercício de 2005.

A juíza deferiu o pedido, em 25 de junho de 2007, determinando aos autores a juntada do balanço de 2005 aos autos.

No dia 3 de julho os autores retiraram os autos, com o que se declararam intimados, e, no dia 9, juntaram uma petição, negando-se a apresentar os documentos exigidos e deixando de cumprir a decisão judicial.

Ao requerer a reconsideração do despacho, argumentei que o pedido foi alcançado pela “preclusão temporal, pois realizado após a audiência de conciliação em que se especificou as provas a serem produzidas e ainda por salvaguardar a honra dos autores, haja vista que os réus desejam obter tais informações para usar distorcidamente como matéria em seu jornal”.

Os argumentos dos autores eram completamente falaciosos e seu pedido destituído de previsão legal. A juntada aos autos do balanço de Delta Publicidade referente ao exercício de 2004 foi deferida pela então juíza da 4ª vara cível, em audiência realizada em 28 de junho de 2006 – quase um ano antes, portanto. Os autores não utilizaram então – nem no prazo seguinte previsto – o recurso cabível para combater a iniciativa. Logo, em relação a essa matéria, seu direito desaparecera, inclusive o direito de alegar a suposta preclusão temporal da parte adversa.

Matéria se tornou vencida ao transitar em julgado. Não podia mais ser reapreciada, como fez a juíza Terezinha Moura. Seu ato caracterizava a concessão ultra e extra petita, além do que pediram e até o que não pediram os autores. Seu ato foi contaminado pela suspeição.

A persistência da recusa dos autores em apresentar as demonstrações financeiras caracterizava a desobediência  à justiça, já que, ultrapassado o prazo legal, se recusaram a apresentá-lo, mesmo sob intimação judicial.

Ao ajuizar a ação de indenização, os autores alegaram que o artigo do Jornal Pessoal lhes causara “perda de capital” Por se tratar de uma perda perfeitamente tangível, aduziram à cobrança de ressarcimento por dano moral a reparação do suposto dano material.

Paradoxalmente, entretanto, não juntaram à peça inicial nenhuma comprovação dessa “perda de capital”, que é um fato, um elemento material, objetivo, do dano. Limitaram-se a anexar o exemplar do Jornal Pessoal que contém a matéria alegadamente ofensiva.

Se o artigo provocou “perda de capital”, essa perda devia ter-se materializado em suas demonstrações financeiras, sob a pena de fraude e acarretando a impossibilidade de presumir direito; muito menos ainda de exercê-lo.

Ao pedir indenização equivalente a 300 salários mínimos por danos materiais, os autores se justificaram argumentando que seus danos seriam “inestimáveis”. Como então deixar de mensurar esses prejuízos?

Comparando o balanço de 2004 com o de 2005 seria possível verificar se os ofendidos indicaram materialmente a “perda de capital” que sofreram, em consequência do conteúdo do Jornal Pessoal, e se fizeram a devida apropriação contábil de tal prejuízo.

Caso as demonstrações contábeis não fossem suficientes para a constatação do fato suscitado, embora em sua abordagem preliminar (é bom sempre insistir: ainda faltaria estabelecer o nexo causal, sem o qual não se caracteriza o ilícito), os documentos que as acompanham necessariamente, por imposição legal, já que Delta Publicidade é uma sociedade anônima, possibilitariam a apuração da citada “perda de capital”.

A recusa dos autores em apresentar suas demonstrações contábeis era tão patológica que, além de incorrer na mora por desobediência civil e declarar diante do próprio juiz, na audiência do dia 10 de setembro de 2008, não ser da conveniência da empresa submeter-se à ordem, assumindo o ônus da confissão, o patrono de Maiorana e Delta chegou a anunciar que renunciaria à cobrança do dano material, limitando-se à ofensa moral, só para não ter que se submeter à prova.

Sem esperança de ver decisões tão absurdas revogadas, recorri à instância superior para desfazer as decisões do juízo singular.

Mas meu primeiro recurso, um agravo de instrumento, foi indeferido pela desembargadora Maria Rita Xavier, que o relatou na 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por suposta perda de seu objeto.

Para tomar tal decisão, a desembargadora (já aposentada) se valeu não do autor da decisão original, Mairton Carneiro, que acatou minha arguição de suspeição e se afastou do caso, nem da sua substituta, Terezinha Nunes Moura, que estava ausente. Quem lhe deu as informações foi o juiz substituto na 3ª vara, João Batista Lopes do Nascimento.

O juiz ao atender ao pedido de informações da relatora, se limitou a encaminhar cópia xerox da decisão que a titular da vara tomou, deferindo as testemunhas por mim indicadas, e que o Juiz Mairton Carneiro havia rejeitado, de forma arbitrária e sem fundamento legal.

Atendido ao pedido, a causa perdeu seu objeto, conforme entendeu a desembargadora Maria Rita?

Só parcialmente – e não substantivamente.

No meu recurso, que estava nas mãos dela, eu pedi a reformulação da decisão contra a qual me insurgia,  “de rejeição da oitiva das testemunhas que a defesa indicou e quer ouvir no processo, conforme requereu em sua contestação, e a juntada dos documentos requeridos e devidamente deferidos (quais sejam: as demonstrações contábeis de Delta Publicidade referentes aos exercícios de 2004 e 2005, com todos os documentos que as acompanham), assegurando-se a produção de tais provas, a fim de que o agravante possa defender-se sem prejuízo das acusações que lhe foram feitas, evitando-se o flagrante cerceamento ao direito de defesa, em afronta à tutela constitucional que lhe é assegurada”.

Quando a juíza Terezinha Moura deferiu apenas as testemunhas, mas não os documentos apontados, reagi de imediato. Não hesitei em arguir a suspeição da nova julgadora e a insistir pelo atendimento pleno do que já lhe fora concedido. Era a única forma de provar a verdade quanto a falácia dos danos materiais que me eram cobrados de má fé por Romulo Maiorana Júnior e Delta Publicidade.

Como mentirosas eram as razões apresentadas nas outras 14 ações sucessivas que ajuizaram. Paradoxalmente, dedicaram-se nelas a obstruir a instrução dos processos, não comparecendo às audiências marcadas pelos julgadores para produzir suas provas ou contraditar as da sua vítima. Como o mesmo quadro se ia configurando neste caso, dispensei as minhas três testemunhas para não comprometer ainda mais o já prejudicado andamento da ação. Mas mantive o pedido de produção da necessária prova documental, porque essencial para desvendar a controvérsia posta em julgamento: os balanços da empresa Delta Publicidade. Como a nova juíza decidiu não exigir a juntada dos documentos (apenas a oitiva das testemunhas), suscitei logo sua suspeição.

Como, então, poderia estar atendido o que eu estava justamente a pedir, através do recurso ao agravo de instrumento, direito que me joi negado pelo juízo singular? Como o recurso poderia ter perdido o objeto? Era um absurdo.

Sem enfrentar a essência da questão, a desembargadora se ateve a detalhes da formalidade processual na sua decisão:

“Não bastasse a perda do objeto anunciada, o presente recurso também não estaria apto a ser conhecido. É que após um novo juízo de admissibilidade, constatei que o agravante não cumpriu com o que determina o artigo 525, I, do CPC, isto é, não juntou cópia das procurações dos agravantes”.

No entanto, o primeiro documento que acompanhou o agravo de instrumento é uma certidão de intimação expedida pelo diretor de secretaria do cartório do 6º Ofício Cível, Edmilton Sampaio, datado da antevéspera da apresentação do recurso, com todos os dados do advogado dos agravados e dos agravantes, e atestando a existência nos autos do instrumento de mandato outorgado pelos agravados e agravantes.

Logo, está atendido o que pretende o artigo 525, I, do CPC, que é “a necessidade de ficar comprovado documentalmente que o advogado que subscreve a peça é de fato o procurador do agravante – aquele que supre a incapacidade postulatória deste – e que o causídico que será intimado para responder ao recurso (arts. 524, III, e 527, V) é, de fato, o procurador do agravado” (Antônio Cláudio da Costa Machado, in Código de Processo Civil Interpretado, 4ª edição, São Paulo, 2004, págs. 740/741).

É certo, como também observa o mencionado tratadista, que a ausência de qualquer dos três documentos “fará com que o relator indefira o processamento do recurso”. No entanto, a certidão do diretor de secretaria do 6º ofício cível era completa e satisfazia plenamente a exigência legal.

Ela atesta a existência dos dois instrumentos de mandato das partes, não deixando qualquer dúvida sobre a identidade dos seus procuradores e garantindo assim a segurança processual, que é o objetivo da lei.

Com as informações que contém, a certidão viabilizou a intimação da parte contrária para a resposta. Já a procuração por mim outorgada pelo ora agravante era garantia de que quem assinou a petição era, de fato, o seu representante legal.

A apresentação da procuração no agravo de instrumento objetiva que se garanta à parte agravada o direito de contra-arrazoar o recurso. Essa finalidade foi cumprida. Assim, não se podia falar em prejuízo, sendo certo mesmo que em nome do princípio da instrumentalidade das formas – de acordo com o qual uma forma só existe e deve ser posta como estorvo à prática de um direito caso sua violação (da forma) implique a violação de um direito de outrem –, a exigência da procuração como peça obrigatória deve ter seu rigorismo abrandado, quando as circunstâncias do caso demonstrem que a inobservância da forma não prejudica o direito daquele em nome de quem se institui a forma (neste caso, da parte agravada).

Assim se depreende da seguinte ementa do julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO OUTORGADA AO ADVOGADO SUBSCRITOR DAS CONTRARRAZÕES AO RECURSO ESPECIAL. ART. 544, § 1º, DO CPC. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE.

1. Desnecessária a juntada de cópia de todas as procurações outorgadas pela parte agravada se regularmente intimada para contraminutar.

O julgado a seguir demonstra, pormenorizadamente, a ideia que guia o esvanecimento do rigorismo da regra processual atinente à procuração como peça obrigatória:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRASLADO DE PEÇAS OBRIGATÓRIAS. ART. 544, § 1º, DO CPC. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DO SIGNATÁRIO DAS CONTRA-RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. EXCESSO DE FORMALISMO DESNECESSÁRIO NO PRESENTE CASO.

1. A jurisprudência do STJ afasta o conhecimento do Agravo de Instrumento caso não se junte comprovação dos poderes outorgados ao signatário das contra-razões do Recurso Especial.

2. Esse antigo entendimento busca resguardar o contraditório, ao garantir que a parte agravada será regularmente cientificada dos atos processuais posteriores.

3. Ocorre que essa jurisprudência pode causar graves injustiças à agravante por conta de erro ou má-fé da parte contrária, que acaba por se beneficiar do excesso de formalismo do Tribunal. É o caso presente.

4. As procurações que instruem o Agravo de Instrumento referem-se ao advogado que acompanhou todo o processo e assinou as contra-razões do presente recurso. Peculiarmente, no caso das contra-razões do Recurso Especial, embora esteja registrado o nome desse mesmo advogado (cuja procuração consta do instrumento), foi aposta apenas a assinatura de um segundo advogado.

5. Nem mesmo o agravado cogitou de nulidade do instrumento de Agravo por conta desse vício. Suas contra-razões no Agravo de Instrumento, assinadas pelo advogado com procuração nos autos, ratificam suas contra-razões no Recurso Especial.

6. Ademais, o advogado sem procuração nos autos (que assinou as contra-razões do Recurso Especial) tem seu nome também na petição de contra-razões do Agravo de Instrumento, apesar de não assinar essa peça, o que demonstra serem profissionais que atuam em conjunto.

7. Tudo isso demonstra a injustiça, nem sequer suscitada pelo agravado, de não se conhecer do Recurso Especial por erro da parte adversa.

8. A jurisprudência do STJ deve ser mantida apenas nos casos em que há, efetivamente, prejuízo, ainda que potencial, para a parte contrária, o que não ocorre, in casu.

9. Agravo Regimental provido para que o Recurso Especial seja conhecido, desde que preenchidos os demais requisitos.

O julgado se aplica como luva ao meu caso. A relatora do meu recurso na 3ª câmara cível isolada do TJE, em data de 7 de novembro de 2008, recebeu o recurso, sem suscitar a ausência do instrumento de procuração, porquanto a certidão atendia em plenitude o dispositivo legal regulador do juízo de admissibilidade. Certamente ela observou, ao final da peça, na relação de documentos juntados ao agravo, o item número um: “Certidão do diretor de secretaria da 3ª Vara Cível da capital da intimação das partes sobre a decisão agravada e procuração dos advogados das partes”.

É o que está claro no seu despacho:

“Recebo o presente recurso e reservo-me para apreciar o pedido de efeito suspensivo ativo posteriormente, determinando ainda o seu processamento na forma da Legislação Processual Civil em vigor”.

Como efeito de seu entendimento, a desembargadora Maria Rita determinou três providências.

A primeira foi a intimação, “na forma da lei”, do agravado, “para que, querendo, apresente as contra-razões ao recurso interposto no prazo legal (CPC, art. 527,V)”.

A segunda providência foi o pedido de informações ao juízo de origem do processo, no prazo de 10 dias.

E, finalmente, cumpridas as diligências, o retorno dos autos conclusos “para ulteriores de direito”.

Logo em seguida, em 10 de dezembro do mesmo ano, a relatora deu andamento à instrução do feito, solicitando informações do juízo singular. Uma semana depois, a resposta do juiz Mairton Marques Carneiro foi recebida.

Em 14 de outubro de 2009 juntei nova procuração da minha advogada, em substituição ao defensor anterior, seu pai (e meu tio), que falecera. Tanto o pai quanto a filha tinham escritório no mesmo prédio onde também estavam instalados os advogados dos Maioranas.

Só em 13 de setembro de 2010, quase dois anos depois de haver recebido e instruído o processo, a desembargadora-relatora “descobriu” a perda de objeto da ação pela a inexistência das procurações dos agravados, A matéria já estava vencida, não só porque a certidão do diretor de secretaria do 3º Ofício Cível atendia a todas as exigências da lei, como porque já havia decorrido o momento processual da perquirição e contestação devidas quanto à falha formal.

A regra do art. 527, I, c/c o art. 557, caput, do CPC, é no sentido de que, distribuído o agravo de instrumento no tribunal de apelo, o relator sorteado verificará a existência dos pressupostos genéricos e específicos de admissibilidade do recurso e, não havendo qualquer desses pressupostos, deverá negar-lhe seguimento liminarmente.

De posse dos autos do processo, a desembargadora-relatora não só os achou em condições de serem recebidos como iniciou a instrução processual. Dentre as providências que adotou, estava a citação do agravado, que considerou identificado e em condições de ser informado da interposição do recurso para, querendo, respondê-lo. A única deliberação que transferiu para depois do cumprimento das diligências por ela determinadas foi “apreciar o pedido de efeito suspensivo ativo”. Ora, se a relatora procedeu a todos os atos listados na lei era porque proferiu juízo prévio e positivo de admissibilidade.

Apesar de toda argumentação sólida, nenhum dos três recursos que apresentei sucessivamente foi aceito pelo tribunal. Como? Em todos os acórdãos, ignorando o que eu disse e reafirmando a decisão inicial, da desembargadora Maria Rita Xavier, contra a qual me insurgi. É o que vê no acórdão, que reproduzo:

Insurge-se o agravante, LUCIO FLAVIO DE FARIA PINTO, por devidamente qualificado, por intermédio de sua advogada contra a decisão proferida pelo Juízo a quo da 9ª Vara Cível nos autos da ação indenizatória na qual foi indeferido o pedido do agravante concernente à produção de prova testemunhal, que lhe move RÔMULO MAIORANA JÚNIOR e DELTA PUBLICIDADE S.A.

(..)

Em face do exercício do juízo de retratação exercido pelo MM. Juízo de 1º Grau, entendo que ocorreu a perda de objeto superveniente, razão pela qual deve o presente recurso ser extinto sem exame de mérito.

Logo, uma vez constatada a perda de objeto, há falta superveniente de interesse recursal., impondo-se o não conhecimento do agravo.

Ante as circunstâncias especificas do caso concreto, declaro prejudicado o presente agravo de instrumento, por perda de seu objeto.

Não bastasse a perda do objeto anunciada, o presente recurso também não estaria apto a ser conhecido. É que após um novo juízo de admissibilidade, constatei que o agravante não cumpriu com o que determina o art. 525, I, do CPC, isto é, não juntou cópia das procurações dos agravados.

Desse modo, resta julgar o recurso interposto inadmissível por falta de interesse, ou seja, julgá-lo prejudicado.

Nestes termos, nego seguimento ao mesmo, nos termos do art. 557 do CPC.

Após o transito em julgado desta decisão arquivem-se os autos.

Belém/Pa, 13 de setembro de 2010. DESA. MARIA RITA LIMA XAVIER. RELATORA”.

Face às considerações que fez, o novo relator, desembargador Roberto Gonçalves de Moura,  entendeu que as minhas razões “não são capazes de abalar os fundamentos de decisão recorrida, vez que não traz nada de novo”. Por isso, negou-lhe provimento para manter a decisão guerreada em todos os seus termos.

O relator disse que eu não trouxera nada de novo aos autos. Mas parecia mesmo é que eu havia dito nada. Tudo que disse foi ignorado. No lugar da dialética processual, o silêncio monocrático do julgador, um Grande Irmão. Um diálogo de mudo compulsório com surdo conveniente, que caberia bem na ficção do absurdo de Franz Kafka.

Esgotados meus recursos com nova rejeição pelo tribunal do meu último agravo, resta-me agora bater à porta das cortes superiores em Brasília para que restabeleçam o primado da lei, do direito e da verdade no território da (in)justiça do Estado do Pará. É o que espero, finalmente, obter, com a ajuda da opinião pública.

Belém (PA), 25 de janeiro de 2013

LÚCIO FLÁVIO PINTO – Editor do Jornal Pessoal

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Lúcio Flávio Pinto recebe nova condenação da justiça do Pará

De Belém (PA), o jornalista Carlos Mendes publicou hoje esta nota em sua página no Facebook e na página Pessoal do Lúcio Flávio Pinto nesta rede social. Aguarde novas informações.

LÚCIO FLÁVIO É CONDENADO A PAGAR R$ 300 MIL AOS MAIORANA

Decisão que teve os votos das desembargadoras Eliana Abufaiad e Raimunda Gomes (atual presidente do TJE) determina que o jornalista Lúcio Flávio pague a quantia de R$ 300 mil por “danos morais” aos proprietários das ORM. Da decisão ainda cabe recurso, agora em Brasília. Quem me passou a notícia, agora pela manhã, foi o próprio Lúcio.

É, amigos, a coisa está brabíssima por aqui. Como dizia o genial escritor Samuel Beckett para o não menos genial escritor James Joyce, durante conversa em uma mesa de bar em Dublin: “já que não podemos mudar de país, mudemos de conversa”.

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Correspondentes estrangeiros homenageiam Lúcio Flávio Pinto

O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto acaba de ser homenageado pela Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE), que comemorou 50 anos no último dia 13. Lúcio recebeu uma placa em reconhecimento ao seu trabalho na Amazônia. A cerimônia de entrega foi no Caesar Park Hotel Ipanema, no Rio de Janeiro.

Estamos buscando maiores informações sobre a cerimônia para postar aqui no blog.

Relembrando que, em outubro, Lúcio e Alberto Dines foram homenageados com o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

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