Texto escrito originalmente a convite da Cia Pessoal do Faroeste, de SP, para homenagem feita a Lúcio Flávio Pinto em maio de 2011. A ideia parte de uma associação já feita pelo historiador paraense Vicente Salles no livro Marxismo, Socialismo e os Militantes Excluídos (Paka-Tatu, 2001), no qual Salles apresenta a biografia de Bento Aranha com uma epígrafe retirada de texto de LFP.
Retrato de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha II, aos 51 anos, por Carlos Wiengandt, 1892.
A história é tanto memória quanto esquecimento. Por vários itinerários, pessoas e fatos podem ser conduzidos ao obscurantismo, inclusive por sua “impertinência” à memória ou à história oficial.
Em 16 de março de 1894, o jornalista paraense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha II, neto de importante poeta homônimo, iniciou sua caminhada para o esquecimento. O jornal de sua propriedade, o Correio Paraense, sediado em Belém, foi fechado pela polícia do republicano Lauro Sodré por veicular críticas mordazes contra o governo, companhias públicas, bancos, empreiteiros, entre outros alvos. Ele, que era um dos mais ferrenhos defensores da República, repudiava os rumos do governo instaurado e sua associação às velhas oligarquias. Pagou caro por isso.
Naquele mesmo mês, o jornalista fora condenado pela justiça à prisão e ao pagamento de 800 mil réis em processo por injúria movido pelo poderoso Barão do Marajó, que era intendente de Belém e ganhara o direito de explorar o serviço da rentável Companhia das Águas. Bento Aranha denunciou esse privilégio em favor da moralidade pública. Anos depois, a justiça reconheceu erros no processo e revogou a condenação. No entanto, quem hoje conhece a saga desse intelectual e de seu jornal que tanto incomodavam os poderosos?
Bento Aranha foi o Lúcio Flávio Pinto do século 19. Lúcio Flávio Pinto, também paraense, reedita, de modo muito particular, a figura de Bento Aranha, como se fossem gêmeos astrais. Em mais de 40 anos de atividade jornalística, acumula dezenas de processos na justiça e algumas condenações por incomodar tanto a empresários, juízes e desembargadores com suas denúncias – nunca contestadas. Recorre das sentenças, denuncia erros nos julgamentos e os conluios de bastidores. Por sua atuação, já foi até agredido fisicamente por um empresário em local público, em episódio amplamente noticiado. É um “impertinente” à história do presente na Amazônia.
Ao mesmo tempo, coleciona prêmios nas áreas de jornalismo e de direitos humanos concedidos por instituições nacionais e internacionais de reconhecida importância, como o Committee to Protect Journalists (CPJ), entidade que defende a liberdade de expressão e acompanha o trabalho de jornalistas no mundo todo. Além disso, o apoio de intelectuais e ações de solidariedade vez por outra reiteram a importância da causa pública de Lúcio Flávio Pinto. Por que esse descompasso entre uma realidade e outra?
Porque Lúcio Flávio, com sua fala crítica, sua escrita ácida e seu precário, mas persistente, Jornal Pessoal, destoa em uma região ainda dominada pela triste toada dos coronéis do asfalto ou donos das cidades e do judiciário. Desafina, portanto, o coro de quem aposta no fado colonial da Amazônia, onde calar, ou fazer calar, ainda é a “melhor” saída.
Lúcio Flávio Pinto, ao não se calar, traça o próprio destino. Estará a salvo do esquecimento? A história do futuro dirá.
Rose Silveira
jornalista e historiadora