Carta aos leitores

Atualizado às 19h54min

Iniciado em fevereiro de 2012, o movimento “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” começou de forma descentralizada, a partir de manifestos de apoio por pessoas de diferentes formações e lugares do país ao jornalista paraense que deu nome e vigor à iniciativa.

Naquele momento, Lúcio, que há décadas responde a dezenas de processos judiciais em função da linha editorial do jornal independente que mantém há 26 anos, o Jornal Pessoal , acabara de ser condenado por ofensa moral a um empresário, hoje falecido, Cecílio do Rego Almeida, que comandou um megaesquema de grilagem de terras na Amazônia.

A comprovação da fraude articulada pelo empresário não foi suficiente para convencer o judiciário local de que o termo “pirata fundiário”, utilizado pelo jornalista em artigo no jornal, em 1999, não era uma agressão verbal ao grileiro, mas sim uma interpretação da contínua reprodução da violência de membros das elites econômicas brasileiras contra o patrimônio público e os bens naturais da região.

Se não houvesse a denúncia através do Jornal Pessoal, mais de 5 milhões de hectares de terras pertencentes à União seriam apropriados para beneficiar um único grupo em detrimento dos interesses de toda a sociedade brasileira.

A sentença proferida contra o jornalista pelo juiz Amílcar Guimarães, titular da 1ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Pará, não só despertou o descontentamento em relação às dezenas de processos enfrentados por Lúcio Flávio, mas também a solidariedade dos que reconhecem a importância do periódico para o apontamento de problemas e reflexões associados à região e comumente silenciados pelos veículos de comunicação locais, instituídos em um cenário de forte concentração midiática.

Criar este blog foi a forma que um grupo de apoiadores encontrou de congregar  as informações relacionadas à condenação e espalhar em ambientes virtuais a indignação do público, mobilizando pessoas em todo o Brasil – e até fora dele.

Juntos, alcançamos a meta de arrecadação dos valores para o pagamento da sentença indenizatória e ultrapassamos as expectativas de divulgação e acesso sobre o imbróglio judicial – portais nacionais e internacionais, junto com blogs renomados, veicularam notícias, além dos mais de 7 mil acessos no dia em que o juiz responsável pela sentença expôs em sua página no Facebook uma série de xingamentos contra o jornalista.

Por causa das rotinas profissionais dos administradores da página, decidimos suspender as atualizações. No entanto, o espaço será mantido para preservar virtualmente parte dessa memória de embates entre o fazer jornalístico comprometido com uma agenda eminentemente amazônica e os interesses econômicos e políticos dos que tentam impedir o acesso à informação e à comunicação pautada pelo interesse público. Esperamos que, dessa forma, o blog continue funcionando como um banco de dados importante sobre aspectos da história recente da Amazônia.

Retomaremos as postagens, se houver necessidade de novas ações coletivas em prol de objetivos semelhantes aos que o originaram.

Aproveitamos para agradecer a cada pessoa que integrou este movimento em respeito ao trabalho de um dos nomes mais importantes para o jornalismo regional. Agradecemos aos leitores que comentaram e compartilharam as postagens e que, dessa forma, ajudaram a disseminar as informações.

E, finalmente, desejamos muita sorte e saúde ao querido Lúcio Flávio Pinto, a quem enviamos o nosso carinho e um forte abraço.

Somos Todos Lúcio Flávio Pinto

***

Assim que fizemos esta última postagem, recebemos a notícia do falecimento de Dona Iraci de Faria Pinto, mãe do jornalista Lúcio Flávio Pinto e de seus irmãos, Eliacy, Raimundo José (in memorian), Luiz, Elias, Pedro e Paulo. Que a família possa encontrar conforto e paz neste momento.

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Já está nas bancas o novo número do JP. Veja as chamadas:


Capa JP 546

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Feliz aniversário, Lúcio Flávio!

Lúcio Flávio Pinto © Maria Christina

Lúcio Flávio Pinto © Maria Christina

 

Parabéns ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, que hoje completa 64 anos de vida.

A moderação do blog lhe envia votos de muita saúde, com o desejo de que a liberdade esteja sempre no seu horizonte como o bem maior que cidadãos de paz constroem para si e para o mundo.

 

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O desafio da mineração no Pará é o tema do novo Jornal Pessoal

Arte: LuizPê

Arte: LuizPê

 

A edição de nº 545 chega hoje às bancas de Belém. Confira as chamadas:

HISTÓRIA

A farsa, um século depois

O Pará não conseguiu responder ao desafio que a crise da borracha lhe impôs, um século atrás. Não vai resolver os problemas que o ciclo dos minérios está lhe impondo agora. Sem líderes e ideias, parece condenado a repetir o drama. Agora, como farsa.

E mais:

  • JATENE TENTARÁ A RELEIÇÃO
  • DIÁRIO DO PARÁ: JORNAL POLÍTICO
  • O FIM DE ALLENDE 40 ANOS DEPOIS

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Urgente pra quem?

Capa da revista, edição de agosto

O Brasil está prestes a aprovar o novo Código de Mineração, que suscita debates entre ambientalistas. O jornalista Lúcio Flávio Pinto, entrevistado, dá sua opinião.

Artigo publicado na revista Página 22, edição nº 77, agosto de 2013

Por Fábio de Castro

Um dos segmentos que mais crescem no mundo, a indústria da mineração está em franca expansão no Brasil. O governo federal prevê que até 2030 as atividades do setor vão no mínimo triplicar, ou até quintuplicar. A atividade mineradora, porém, é regida por um marco legal obsoleto e não dá à sociedade um retorno compatível com suas agigantadas dimensões. Assim, o Executivo encaminhou ao Congresso, em junho de 2013, o projeto de um novo Código de Mineração, que deverá substituir a legislação atual, instituída em 1967, modernizando as relações entre governo e empresas. O projeto, no entanto, é severamente criticado, por não trazer avanços em relação aos impactos socioambientais – efeitos colaterais da mineração, que deverão se tornar cada vez mais dramáticos em um cenário de crescimento vertiginoso do setor.

A necessidade de substituição do atual marco legal é praticamente consenso. A nova legislação deverá aumentar a arrecadação de royalties, democratizar e desburocratizar os processos de concessão e fortalecer o papel regulador do Estado. Apesar disso, mais de 80 organizações, movimentos sociais e partidos assinaram o manifesto “Código da Mineração, urgência não!”, divulgado no início de julho. Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), um dos signatários do manifesto, afirma que a principal preocupação no momento é reverter a decisão de enviar o projeto ao Congresso em regime de urgência.

Para a sociedade civil, o projeto tem pontos positivos, mas silencia sobre comunidades que sofrem impactos severos, além de deixar lacunas sobre a atividade em Terras Indígenas

O governo alega, em documentos oficiais divulgados no site do Ministério de Minas e Energia (MME), que o projeto vem sendo discutido com a sociedade desde 2009. Mas, de acordo com Valle, esse debate só envolveu os ministérios e as empresas do setor mineral. “Depois de quatro anos de conversas internas e sigilosas com as empresas, o governo quer dar à sociedade apenas 90 dias de discussão pública. Isso não é razoável. Há questões complexas e importantes, como os direitos das populações afetadas, que nem sequer foram mencionadas. O regime de urgência impossibilitará um debate de qualidade”, diz. O MME e a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral foram procurados insistentemente pela reportagem de PÁGINA 22, mas não se pronunciaram até o fechamento.

Apesar da omissão em relação a aspectos sociais e ambientais, Valle afi­rma que a necessidade de modernização da legislação é um consenso. Segundo ele, não se trata de combater o projeto em si, mas de derrubar o regime de urgência para proporcionar um debate que atenda aos anseios da sociedade. “O projeto tem muitos pontos positivos – trata de prazos, licitações, alíquotas de royalties, direitos e deveres das empresas e do governo –, mas silencia sobre milhares de comunidades que sofrem impactos severos da atividade mineradora”, a­firma.

O reajuste dos royalties da mineração é uma das principais mudanças previstas no novo código. O governo quer estabelecer teto de 4% [1]nas alíquotas que incidam no faturamento bruto das empresas. Atualmente, incidem no faturamento líquido e variam de 0,2% a 3%, dependendo do tipo de minério.

Para efeito de comparação, o petróleo – que, como os demais minérios, pertence ao Estado brasileiro – tem alíquotas que chegam a 10% do faturamento bruto. Com isso, em 2010, foram arrecadados R$ 20,8 bilhões em royalties e compensação fi­nanceira do petróleo. Enquanto isso, a mineração, que tem faturamento líquido maior, recolheu só R$ 1,08 bilhão. Além disso, enquanto o petróleo é extraído em maior parte para consumo interno, 75% do minério de ferro é exportado – isto é, o principal produto da mineração brasileira é benefi­ciado com a isenção de ICMS, o que reduz sua contribuição para a sociedade.

Outra diferença essencial é que a exploração do petróleo é feita a partir de concessões estabelecidas em leilões públicos internacionais. “Na mineração, não temos um sistema republicano. Qualquer pessoa ou empresa pode fazer a requisição de pesquisa e lavra. O novo código introduz a ­guia de concessão de exploração mediante licitação pública”, a­firmou Valle. Uma vez realizada a licitação, a empresa vencedora recebe um título único para concessão de pesquisa e lavra. Atualmente não há prazo estabelecido para a licença, mas no novo código o concessionário terá um prazo de 40 anos, renovável por mais 20, podendo ser prorrogados sucessivamente. O ganhador da licença também será obrigado a realizar investimentos mínimos na área concedida.

Além do reajuste dos royalties e da introdução das licitações públicas, o projeto também prevê uma modi­ficação institucional: o Departamento Nacional de Produção Mineral será convertido em uma agência reguladora e será criado o Conselho Nacional de Política Mineral, nos moldes do setor energético.

OS IMPACTADOS

Os avanços propostos são importantes, mas são insufi­cientes, de acordo com Valle. “Temos um problema gravíssimo no sistema legal, que é a subavaliação dos impactados pela mineração. Essas populações são tratadas como cidadãos de segunda classe e os impactos avaliados somente do ponto de vista técnico”, disse. Segundo ele, seria preciso estabelecer critérios para identi­ficar essas comunidades e lhes dar alguma forma de compensação ­financeira.

Problemas complexos relacionados à contaminação das águas super­ficiais, que penalizam as comunidades ribeirinhas, também foram deixados de fora do novo código. “Estamos defendendo que a nova lei, como acontece em outros países, preveja um zoneamento ecológico mineral. Precisamos de princípios gerais que estabeleçam onde a atividade pode ser exercida, preservando mananciais, quilombos, áreas prioritárias de conservação e assim por diante”, defende.

Também contrário ao regime de urgência na votação do projeto, o ex-deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG) acredita que o texto do novo código foi concebido para agradar as empresas mineradoras. O projeto estabelece a obrigação do minerador de recuperar a área minerada, mas não determina punições nem exige garantias. Também não deixa claro a obrigação de mitigar os impactos socioambientais e indenizar as comunidades afetadas. Os proprietários dos imóveis diretamente impactados pela mineração receberão 20% do valor arrecadado com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), mas o benefício não alcança os posseiros e a população atingida de forma indireta. “É gravíssimo que o projeto não toque em questões socioambientais”, diz.

Segundo ele, um exemplo da magnitude do problema é a construção do mineroduto com mais de 500 quilômetros – o maior do mundo – ligando Minas Gerais ao Rio de Janeiro. “O projeto, de­finido como ‘de utilidade pública’ pelo governo mineiro, foi vendido para a Anglo American, com uso gratuito da água, e está sendo questionado pelo Ministério Público por uma série de aspectos relacionados ao licenciamento”, diz Oliveira. O novo código, segundo ele, não contribui para evitar esse tipo de problema. “O projeto enviado ao Congresso não tem uma só linha sobre política de recursos hídricos para uso de água no transporte e benefi­ciamento de minérios”, diz. Procurada pela reportagem, a Anglo American preferiu não se pronunciar.

A introdução das licitações e a declaração de caducidade da lavra são avanços do novo código, impedindo transações que visam perpetuar as concessões e criar monopólios

“A política mineral tem sido tratada em terceiro plano pelo governo federal e o governo mineiro se omite completamente em relação ao código”, declarou Oliveira. Segundo ele, o estado de Minas Gerais detém mais da metade da produção mineral brasileira e 70% da exploração do minério de ferro[2] , que é o carro-chefe do setor no Brasil. “Os lucros das empresas hoje são gigantescos, mas não se pensa em uma cadeia produtiva de agregação de valor.Tudo isso bene­ficia muito pouco o País. Hoje, no Norte de Minas Gerais, por exemplo, podemos dizer que o subsolo pertence a empresas da China.” A reportagem procurou repetidamente ouvir o setor empresarial, representado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Com o lançamento do Plano Nacional de Mineração 2030, em fevereiro de 2011, os pedidos de concessão de lavra pararam de ser atendidos, a ­fim de que em alguns meses fossem incluídos já nas regras do novo código. “Com esse represamento de pedidos, a pressão das empresas é grande e esse é o álibi para que o governo apresente o projeto em regime de urgência. Não seria preciso urgência – bastaria incluir uma cláusula determinando retroatividade do novo código para inscrições feitas até certo momento”, explica Oliveira. Com o regime de urgência, segundo ele, o debate público ­ficará impossibilitado.

EXPANSÃO AMAZÔNICA

Se Minas Gerais concentra hoje as atividades de mineração no Brasil, a Amazônia é o principal foco de expansão dos negócios no setor. Os investimentos de R$ 350 bilhões previstos pelo Plano de Mineração até 2030 são destinados prioritariamente à Região Amazônica. Ali, tornam-se ainda mais dramáticas as pressões ambientais e sociais que preocupam os críticos do novo código.

De acordo com o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, responsável pelo Jornal Pessoal, de Belém, o marco legal atualmente em vigor foi concebido em um contexto de estímulo para a ocupação da Amazônia. O código foi instituído em 1967, dois anos após a descoberta da jazida de Carajás e uma década depois das primeiras atividades de lavra de minério na Amazônia – o manganês no Amapá. A partir daí, o Pará, que se limitava à garimpagem do ouro, tornou-se o segundo maior produtor mineral do Brasil.

“O código em vigor tem uma fi­losofi­a desenvolvimentista, sem nenhum condicionante ambiental e sem preocupação com a regulamentação da atividade. Ele fez do requerimento de lavras um processo espúrio, no qual ganhava o primeiro a chegar. A irracionalidade preponderava”, declara Lúcio Flávio. Segundo ele, desse ponto de vista, a introdução das licitações é um grande avanço do novo código, assim como a declaração de caducidade da lavra – que deverá impedir transações políticas e comerciais que visam perpetuar as concessões e criar monopólios.

“Mas, do ponto de vista social e ambiental, o novo código traz grandes problemas”, disse Lúcio Flávio. Na Amazônia, uma lacuna específi­ca do novo código ganha contornos mais graves: a questão da mineração em Terras Indígenas. “Até hoje não se tem uma defi­nição clara sobre a legalidade de minerar nessas áreas. Também não se defi­niu qual o poder decisório dos índios. A posição dominante é que o índio tem direito a royalties e indenização, mas não tem poder decisório, muito menos operacional.” Um dos problemas mais preocupantes do novo código, no entanto, é a questão da extinção de jazidas. “As mineradoras passam todo o tempo da vida útil de jazida formando um fundo de exaustão, para recuperar o local após o uso. Mas as exigências são tão fluidas e frágeis que, na prática, não há recomposição da paisagem”, diz.

O exemplo mais gritante desse problema, segundo Lúcio Flávio, é o caso da Serra do Navio, no Amapá – a mais rica jazida de manganês do planeta. “A empresa (Icomi, já extinta) teve a concessão por 50 anos, mas antes disso houve exaustão e não houve a recomposição da paisagem. Não ­ficaram apenas todos os buracos, mas também grandes quantidades de lixo industrial e resíduos de arsênio, substância letal produzida por uma experiência pioneira de pelotização de manganês”, afirma. Os resíduos, em região próxima a Macapá, afetaram 2 mil pessoas. “O índice de câncer nessa população é um caso de calamidade pública”, ressalta Lúcio Flávio.

Em geral, quando uma jazida se esgota, as populações locais ficam inteiramente abandonadas. “Isso se explica pelo fato de que hoje o minério de ferro, ao lado da soja, é o maior produto de exportação do Brasil. Nunca um mineral teve tanto peso na economia brasileira, com exceção do ouro no século XVIII”, diz.

Aumentar os royalties sem discutir participação nos lucros, de acordo com Lúcio Flávio, relativiza os benefícios da atividade mineradora para o País. A proposta do Executivo é que as alíquotas hoje incidentes sobre o faturamento líquido passem a ser calculadas sobre o faturamento bruto das empresas. Mas, para ele, ainda assim, a participação nos lucros ­ficará limitada, já que boa parte dos minérios tem seu valor calculado pelo custo de extração na boca da mina, sem valor agregado. “Os royalties serão calculados a partir do faturamento bruto da produção. Mas seria preciso também garantir uma participação a ser calculada sobre o lucro líquido”, propõe.

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O tiro de largada

Reproduzido do Observatório da Imprensa, de 10 de setembro de 2013.

Por Lúcio Flávio Pinto

A edição de aniversário de 31 anos do Diário do Pará circulou, no cabalístico dia 25, com 320 páginas. Não há indicação sobre esse volume na primeira página, como é praxe na imprensa, nem em qualquer outro espaço do jornal do senador Jader Barbalho. É preciso contar página por página, fazendo a conversão das páginas tablóides, em formato menor, para o formato standard (que têm o dobro de tamanho).

A imprensa paraense ainda não respeita suficientemente os seus leitores para prestar-lhes a informação correta. O Diário preferiu retirar da sua capa a numeração total das páginas. Seu inimigo, O Liberal, da família Maiorana, optou por manter a manipulação: apregoa na capa que sua edição daquele mesmo domingo tinha 220 páginas, contando as dos suplementos como se fossem em formato grande. Feita a conversão, verifica-se que o número correto é o de 182 páginas.

Também ainda é prática da imprensa paraense avançar sobre anunciantes potenciais para levá-los a programar suas publicidades reforçadas para edições especiais, como as de aniversário (além de outras típicas de caça-níqueis). A edição de aniversário do Diário não contou, porém, com qualquer peça do governo do Estado, que, como entidades públicas e privadas, costuma responder presente a essas chamadas especiais Nem, evidentemente, da sua aliada, a prefeitura de Belém, igualmente controlada pelo PSDB.

O único anúncio fornecido por um órgão ligado indiretamente à administração estadual foi do Banco do Estado do Pará. A direção do Banpará teve o cuidado de não saudar o aniversariante, como seria de praxe. Apenas fez propaganda do sorteio de brindes entre seus clientes da conta-poupança. Como se fizesse uma veiculação rotineira, não de aniversário. Além do Banpará, a outra presença estadual foi a do secretário especial de promoção social, Alex Fiúza de Melo. O jornal publicou um artigo dele.

Declaração de guerra

No mesmo domingo 925/8), o gabinete do governador fez anúncio de meia página em O Liberal, congratulando-se pela liberação da pecuária do Estado da febre aftosa. O contraste tem um significado claro: o governo do tucano Simão Jatene deixou de ser apenas adversário do cacique do PMDB no Pará; agora eles são inimigos. E o grupo de comunicação da família Maiorana passou de aliado a parceiro. Ambos os lados se preparam para a guerra que já estão travando e se intensificará até a eleição do próximo ano. Imprensa e política mais uma vez esquecerão que deviam formar corpos distintos para se agrupar em uma bipolaridade na disputa pelo poder local, que tem sido uma das marcas mais constantes (e negativas) da ação da elite paraense. Quem for podre que se quebre.

Nem sempre foi exatamente assim. A polaridade foi menos aguda em outros momentos. Mesmo sendo criticado, o chefe do poder executivo (aquele que mais poder detém, sobretudo por ter a chave dos cofres públicos) contemporizava o tratamento. Deixava sempre a porta entreaberta para mais um dos surpreendentes (embora constantes) rearranjos políticos. Inimigos da véspera se congraçavam no dia seguinte, despojados da memória crítica do passado.

Ser completamente marginalizado da propaganda oficial nunca foi um hábito comum para os Maiorana. Mesmo Jader Barbalho, que se tornou o inimigo número um da segunda geração da família, depois da morte do fundador do império das comunicações, Romulo Maiorana, em 1986, acabou tendo que programar publicidade do Estado nos veículos do grupo em seu segundo mandato (1991/95).

Para um político pragmático como ele, não havia alternativa: a TV Liberal é afiliada à Rede Globo e O Liberalainda era, disparado, o líder do mercado de jornais impressos. Todos os veículos foram usados para tentar impedir a vitória de Jader na eleição de 1990. Derrotados, sabotaram o início da sua gestão. Brindados com anúncios, foram mudando de posição conforme a ressonância das moedas no caixa da empresa. Jader concluiu seu governo sem problemas. E os Maiorana continuaram a receber generosa verba oficial.

Para o grupo de comunicação do senador, ser privado da principal fonte de faturamento, que é a publicidade oficial, não é uma situação nova, mas constitui sempre um grande desafio. Seja pela programação oficial, através da agência credenciada, ou por vias oblíquas, que não são contabilizadas, a grande imprensa paraense sempre foi dependente do governo. Mesmo aquela que às vezes se apresentava como crítica ou até abertamente oposicionista.

Durante muito tempo, uma das vias de sustentação era a Imprensa Oficial. Seus dirigentes compravam papel para imprimir o Diário Oficial e para cedê-lo, clandestinamente, ao jornal amigo. E assim eram mantidas outras formas de favorecimento, como o oferecimento de serviços públicos gratuitos ou a contratação de jornalistas que seus empregadores remuneravam em padrão próximo da indecência.

Tendo resistido a períodos excepcionalmente lentos de privação da publicidade do governo, os dirigentes do grupo RBA sabem que essa resistência tem limites. Dietas magras e mais longas podem ameaçar a sobrevivência do veículo de comunicação, ainda que ele tenha encontrado (e inventado) outros mecanismos de faturamento, que lhe proporcionam maior grau de autonomia.

O artigo que o senador Jader Barbalho escreveu para a edição de aniversário do seu jornal tem esse componente de preocupação embutido na sua retórica analítica, combinando o interesse particular (que, nele, é empresarial e político) com a defesa da causa pública. Alega o senador que não haverá saída para a situação ruim vivida pelo Pará enquanto “o ‘modus operandi’ de governar cheirar a vigarice, enquanto a preguiça dominar os meios públicos, ou enquanto a ação entre amigos for promovida pela propaganda que retira o dinheiro público que deveria ser usado na educação, saúde, segurança e na infra-estrutura do nosso Estado”.

Já em campanha, o dono do jornal proclama: “O ciclo dos governos da propaganda milionária e do descaso tem que acabar”. Cada cidadão paraense consciente responderia que sim. Mas perguntaria se o novo governo que se seguisse não retomaria essa prática que o senador peemedebista condena, na condição de oposicionista, mas não seguiu nos dois governos que comandou.

De fato, os grandes acontecimentos registrados no Pará nos últimos 20 anos, tornando-o destinatário de alguns dos maiores investimentos – públicos e privados – realizados no Brasil nesse período, com dimensão mundial (como a expansão da exploração mineral em Carajás, o maior investimento privado em curso no planeta), não tiveram tradução social e mesmo econômica. Daí o Estado ser o terceiro mais violento do Brasil. “Temos o pior município do país em desenvolvimento humano. O arquipélago do Marajó, antes uma atração internacional, tem 12 dos 50 piores lugares sem perspectiva de futuro para o país”, arrola o senador.

São realidades acusatórias, que tornam fantasioso o discurso do “Novo Pará” apregoado pelos dois governadores tucanos que ocuparam o poder estadual ao longo de 16 desses 20 anos, prolongados por quase três no novo mandato de Jatene. Realidade não alterada pelos quatro anos de Ana Júlia Carepa, que Jader ajudou a colocar no governo, integrante do mesmo partido, o PT, ao qual pretende se aliar para a disputa de 2014.

A declaração de guerra implícita na ausência do governo do Estado à edição de aniversário do Diário do Pará, com a resposta dada por Jader, modulada pela sua sagaz preocupação em não deixar emergir seu interesse particular na conjuntura, serve de preliminar à guerra que já começa a ser travada entre os dois maiores pretendentes ao governo do Pará.

Disputa pelo poder

O governador elegeu o grupo Liberal como sua arma de combate, mas ao mesmo tempo voltou à liça o jornal O Paraense, que sempre emerge em períodos de maior agitação política ou já em plena campanha eleitoral para fustigar Jader Barbalho. Depois de longa hibernação, o jornal retomou sua atividade em julho, com farta distribuição gratuita na portaria de prédios em Belém. É indício de que a linguagem vai ser violenta e panfletária, além da medida do que pratica o grupo Liberal, embora sempre raivoso quando se trata de apontar a corrupção do líder do PMDB.

Agora, o alvo é também o filho de Jader. Helder Barbalho já tem no seu currículo um mandato de deputado federal e dois como prefeito do segundo mais populoso município, Ananindeua. Mas não conseguiu fazer o seu sucessor. Teve que amargar a volta de Manoel Pioneiro num terceiro mandato, embora descontínuo, como exige a lei. Atenuou essa dura derrota com uma vitória discreta na eleição fora de época de Marituba, também na área metropolitana de Belém, município que teve cinco prefeitos em seis meses.

Agora parece não haver mais dúvida de que Helder será o candidato do PMDB ao governo e, na dobradinha com o PT, o partido terá o cabeça de chapa, mesmo que o ainda não totalmente definido coligado não aceite. O grupo Liberal e os tucanos batem na tecla de que os petistas precisam ter chapa própria e que o deputado federal Cláudio Puty vai disputar a indicação para o governo. Os peemedebistas sustentam que Puty negou essa hipótese em encontro com Jader, mas tudo é possível até a definição do PT.

Jader conta com aliados no governo federal e na representação estadual do PT para assegurar a combinação que reservaria aos petistas o cargo de vice-governador e a vaga de senador para Paulo Rocha. No entanto, prepara-se para caminhar sozinho, se necessário. Montou e está expandindo uma estrutura de suporte para o filho, contando com veículos de comunicação que já levam um programa de rádio de Hélder ao interior do Estado e programa de televisão que, veiculado no horário gratuito do TRE, aparece também na TV Liberal.

Como os desgastes de imagem não permitem mais que Jader dispute um retorno ao governo (que ele diz não pretender mais por opção pessoal), a imagem de Hélder é projetada como própria, autônoma, independente do pai, técnica, jovem, limpa. Justamente por isso o grupo Liberal repete monocordiamente que “filho de peixe, peixinho é”, relembrando como litania os casos de desvio de dinheiro público que envolvem Jader Barbalho.

Pela repetição em demasia desse catecismo, por enfraquecimento empresarial do grupo Liberal ou pelo grande desgaste da administração Jatene, essa prédica moralista não parece mais ter o mesmo efeito de antes. As principais empresas, sindicatos, representações corporativas, grupos de ensino e os demais poderes constituídos fizeram anúncios na edição de aniversário do Diário do Pará.

Vinte prefeitos mostraram as caras (e não apenas do PMDB), principalmente no nordeste, sul e sudeste do Estado, os principais redutos de Jader Barbalho, como o de Santarém. Até mesmo o presidente da Assembleia Legislativa, Márcio Miranda, cujo nome chegou a ser especulado como pretendente ao governo, patrocinou uma página de anúncio ostensivo.

São dados que sugerem novidades no quadro pré-eleitoral de mais uma disputa pelo poder, embora confirme um brocardo popular que pode se repetir mais uma vez: tudo muda para tudo ficar como está.

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Edição comemorativa dos 26 anos do Jornal Pessoal já está nas bancas

Arte de LuizPê

Arte de LuizPê

Jornal Pessoal, editado por Lúcio Flávio Pinto, sob a edição de arte de Luiz Pinto, completa 26 anos em setembro. Da primeira edição, de 1987, marcada pela premiada cobertura do assassinato do ex-deputado estadual Paulo Fonteles, até os dias de hoje somam-se 544 números. Uma visada sobre a história do tempo presente na Amazônia.

Ainda é tempo de os leitores enviarem suas mensagens ao editor do jornal, a quem os moderadores deste blog felicitam pela tenacidade em manter um veículo alternativo que faz a diferença na imprensa do Pará.

A edição de nº 544 já está nas bancas. Confira as chamadas.

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Lúcio Flávio Pinto pergunta a quem vai beneficiar a nova frente de extração do minério de ferro de Carajás

Arte: LuizPê

Arte: LuizPê

 

A edição de nº 543 do Jornal Pessoal chega às bancas nesta sexta-feira, 16. Veja as chamadas:

CARAJÁS

A China é aqui

A Vale começou a preparar a exploração da melhor jazida de minério de ferro do planeta. Para favorecer os compradores, principalmente a China, ou enriquecer paraenses e brasileiros? Até agora, estes perdem de goleada para aqueles.

E mais:

  • CANCELADO CONTRATO DO JATINHO MAIORANA
  •  SANTARÉM NÃO É A CAPITAL DE ESTADO
  •  BELÉM DA MINERAÇÃO NO LUGAR DA BORRACHA

* No próximo número, o Jornal Pessoal completará 26 anos de vida. O jornalista Lúcio Flávio Pinto convoca os leitores a participar da edição comemorativa, escrevendo sobre quaisquer temas de interesse público, principalmente sobre a situação da imprensa no Pará. Participem. Enviem seus textos para jornal@amazonet.com.br 

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Veja as chamadas do Jornal Pessoal que chega às bancas nesta quinta

Arte: LuizPê

Arte: LuizPê

 

IMPRENSA

O poder do poder

Diário do Pará e O Liberal se igualam num ponto: abusam do poder de abusar da opinião pública. Os dois inimigos mortais não respeitam seus leitores. Usam todos os recursos na guerra que travam entre si e na manipulação da sociedade.

E mais:

  • A FERROVIA PELA METADE
  • UMA HISTÓRIA DO RIOCENTRO
  • A CABEÇA DE PAULO

 

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Entrevista com Lúcio Flávio Pinto

Reproduzido da edição de nº 541 (2ª quinzena de julho de 2013) do Jornal Pessoal.

O lado pessoal do jornalista na perspectiva feminina

Minha ideia inicial de fazer desta edição uma genuína edição de férias de julho frustrou-se. A conjuntura não permitiu. Mas reservei este espaço para uma matéria mais apropriada à saison. São as respostas que dei a questionário formulado por jornalistas que constituem a base do blog Somos Todos Lúcio Flávio Pinto, espaço precioso para a defesa do meu jornalismo e do jornalismo independente em geral. Espero que os leitores dividam comigo o prazer de atender as abordagens femininas, que constituem uma perspectiva muito especial das questões.

SÍLVIA SALES

Que paixão te diverte? (Não vale citar família, trabalho, jornalismo, Amazônia, tá?)

Coração à parte, em primeiro lugar, ler. Um dos raros objetos que me prendem é o livro, feito de matéria e espírito como nenhum outro. Minha ligação ao livro é intrauterina. Mamãe lia “Quo Vadis”, do Henryk Sienkiewicz, quando sentiu meus empurrões lá dentro (já saí para o mundo com fome, disse ela). Como estava em cena o romano Lucius Flavius, levei esse nome. A outra paixão é a música, já em escala menor. Algumas paixões ficaram pelo caminho, como a prática de esportes (sobreviveu a natação) e o cinema. Mas ainda adoro andar. Não como atleta, mas como voyeur. Este é outro prazer sensorial e sensual: o do olhar. Só superado por outra paixão superior: pensar. Adoro ver e meditar. As caminhadas e a natação são a melhor maneira de praticar ambas paixões.

Tu te consideras um homem vaidoso? Onde está manifestada essa vaidade? Desenvolve.

Sinceramente, sou vaidoso numa dosagem normal – e decrescente. Já me importei com roupa. Há muito tempo não me importo mais. E com aparência, da qual, com o aval dos mais de 60 anos, já não preciso me preocupar. O excesso de vaidade tira a virilidade do homem. Não em sentido estrito, ou restrito. Mas num sentido muito amplo. A vaidade é um dom natural na mulher, que a complementa e sublima. Já ao homem imbeciliza. Tira-lhe a autocrítica e até, nos casos extremos, a capacidade de raciocinar. Vi homens inteligentes se apagarem ao menor elogio, mesmo o descaradamente utilitário – ou falso.

Paixão é a filha gostosa da insensatez?

Quanto mais insensata, mais gostosa fica. E vice-versa. Depois da fase em que os erros são aceitáveis e a margem de erro admite a insensatez, melhor mantê-la à distância. O homem maduro é aquele que alcança o maior grau possível de autonomia, de comando da sua vida.

Sobre os movimentos feministas no Brasil, qual a tua avaliação?

Inteiramente a favor. Recordo uma charge do Angeli do personagem machista, o Bibelô. Ele vê uma mulher linda na praia e faz a abordagem, ao estilo. Ela reage com um “não gosto de homem”. Ele completa: “Nem eu. Primeiro ponto em comum”. A mulher é a suprema criação divina. Mesmo quando faz tudo para negar isso.

Algum arrependimento?

Muitos. Tantos que não caberiam neste espaço. Mas quando a gente tem consciência do erro, arrepender-se é a melhor maneira de aprender e se corrigir. Por isso me exponho à correção de todos aqueles que percebem e apontam meus erros. Ainda espero ser um pouco melhor do que sou. Se não conseguir, autorizo que coloquem na minha lápide: ele tentou.

RAYZA SARMENTO

Qual a sua avaliação dos cursos de jornalismo no Estado do Pará, a partir de sua experiência como docente? O que deve ser aprimorado para que os profissionais em formação consigam refletir e escrever com mais propriedade sobre a Amazônia?

Só escreve bem quem lê. Lê em geral e de tudo. Mas lê, em especial, literatura. Para um jornalista, especificamente, mais importante até do que ler os clássicos, indispensáveis por qualquer demanda, é ler textos com narrativas e descrições. Bons thrillers e literatura B, que refletem o cotidiano, são essenciais. Assim como ler as publicações da imprensa periódica. E se exercitar na criação de textos libertos das amarras dos manuais.

O problema é que tanto o jornalista já formado quanto o estudante de jornalismo leem pouco – e costumam ler mal. O princípio norteador da leitura deve ser o prazer, o desfrute, o deleite mais do que a preocupação – que costuma ser obsessiva – de aprender logo. O sujeito lê e ficha ao mesmo tempo. Assim, não pode haver leitura lúdica, passo necessário para a lucidez. Com prazer, o futuro jornalista desenvolve sua curiosidade e opta por seus métodos de investigação. O mundo passa a ser o seu universo. E ele, um auditor do universo.

Além  de uma mudança profunda nos currículos, é preciso separar o curso do jornalismo do curso de comunicação. Autônomos, ambos renderiam mais: para o aluno e para a sociedade.

SOCORRO VELOSO

Nos momentos em que você não está dedicado ao Jornal Pessoal e aos processos judiciais (imagino que são poucos), o que mais gosta de fazer?

Ler, ouvir música, andar pela cidade, conversar com amigos, visitar livrarias.

Tive a felicidade de conhecer sua mãe, dona Iraci, uma senhora simpática, que ajudava a localizar as edições antigas do JP, quando alguém – como foi o meu caso – estava precisando. Seu pai, Elias, teve uma história de vida muito interessante, e pontuada por momentos dramáticos. Qual o legado de seus pais para a sua formação pessoal e profissional? 

Mamãe foi o esteio de todos os seus sete filhos. Uma pessoa de rara bondade, generosidade e humildade. Só com o tempo fomos percebendo a profundidade da influência que ela exerceu sobre cada um de nós. Como no caso da leitura. Esse hábito sempre foi associado ao papai, que formou sua biblioteca e lia muito. Antes de aprender a ler eu já avançava sobre os livros dele. Um, em particular, foi importante: o belo dicionário Lello Universal. As ilustrações me atraíram. Um dia, estava com aquele volume, grande e pesado, sobre as perninhas.

Mamãe me disse depois que sentou ao meu lado e passou a ler os primeiros verbetes. Quando chegou ao ábaco, pedi para repetir. Fiquei maravilhado com o aparelho primitivo de calcular dos chineses, que perdurou como a forma mais rápida de fazer conta até o surgimento do primeiro computador, nos Estados Unidos, em 1946.

Dou esse exemplo sobre a atenção de uma pessoa simples sobre as coisas do espírito ao alcance das suas crias. Ela inspirava e orientava como atos naturais, talvez para se manter à sombra do chefe da família numa época ainda patriarcal. Deve ter avançado sobre a biblioteca do papai da mesma maneira que eu. Mas eu pude me expandir, ela não. Aí entra a forte influência do meu pai, tanto em sentido positivo quanto negativo.

Papai foi uma pessoa brilhante, que conseguiu desperdiçar todos os talentos que a vida lhe concedeu. Dilapidou o patrimônio – material e espiritual – que ele próprio construiu. Consegui ver seu lado bom e seu lado ruim. Ele me apresentou bem cedo ao mundo. Eu adorava sair com ele de jipe e percorrer o interior, onde ele fazia campanha política. Ou participar das rodas de conversa com tanta e tão diferenciada gente. Foi ele que plantou a semente do jornalismo nos filhos. Foi uma personalidade fascinante.

Nas páginas do JP, você costuma refletir sobre as mazelas de Belém. O que de melhor e o que de pior a cidade representa hoje, em sua opinião?

A Belém do quadrilátero das mangueiras é a face melhor da cidade. A Belém da periferia é a sua contrafação. São partes distintas e paradoxais de uma mesma cidade. Ao crescerem sem se tocaram, criam um cenário favorável ao conflito, à violência, à dissipação do seu potencial. Belém está se tornando, por isso, uma cidade monstruosa. Já foi bom viver aqui.

Já pensou em doar seu rico acervo de livros, documentos, jornais e revistas, como fez o José Mindlin, por exemplo?

As condições que o Mindlin impôs à doação dificilmente serão repetidas no Brasil. Ele era um homem rico, influente e respeitado. Concebeu uma forma de destinação ao seu acervo que obrigou o destinatário da doação a investir – e muito – na criação de uma estrutura para abrigar os livros e documentos, no acatamento de uma entidade autônoma e eficiente para administrar esse patrimônio e outras condições que previnem a coleção Mindlin das mazelas comuns em órgãos públicos.

Certamente eu não conseguiria impor essas condições. Aliás, nem penso no assunto. Tenho com a minha biblioteca a relação que Eidorfe Moreira teve com a dele: é uma biblioteca pessoal. Quando morrer, provavelmente perderei o comando que exerço sobre ela. Por ser um espelho da minha vida, é uma biblioteca estritamente pessoal.

Você é o nome mais conhecido, celebrado e estudado da imprensa amazônica. É exemplo de coragem, integridade e profissionalismo para gerações de jornalistas como a minha, que entrou na Universidade nos anos 80. Como espera ser lembrado pelas futuras gerações?

Como o jornalista que perguntava sempre e não descansava enquanto não encontrasse as respostas. O único mérito que um determinado jornalista pode ter é saber fazer as perguntas certas no momento certo. E ser capaz de guiar sua curiosidade conforme o interesse público.

Agora, cá entre nós: tudo que você disse é areia demais para o meu caminhãozinho.

ROSE SILVEIRA

Quando você cita autores que foram importantes para a sua formação, a lista é sempre masculina. E as autoras? Quais fizeram ou fazem a sua cabeça?

Depois que fiz a lista, à base do vapt-vupt, percebi isso que você agora registra. Listas são sempre isso: uma lembrança de momento. São muitas as mulheres na minha vida, literariamente falando. A começar pela mais influente delas, a poeta americana Elizabeth Bishop, uma das minhas leituras de cabeceira. As cartas dela são fonte de aprendizado interminável. A poesia é única. Ela passou momentos em Santarém e escreveu a melhor poesia inspirada na cidade. Há Clarice Lispector, Cecília Meireles, Tereza Cesário Alvim, Adalgisa Nery, Mary McCarthy, Simone de Beauvoir, Simone Weil, Hannah Arendt, Anna Akhmátova. Há mais. Para depois.

Se a sua vida virasse um filme, que episódios não poderiam faltar?

Gostaria que um dia alguém me desse essa resposta objetivamente. Subjetivamente, as cenas decisivas sempre me vêm à memória. Não são poucas. Gostaria de lembrar apenas duas. Uma, foi a leitura do AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968, na redação de “A Província do Pará”. Eu estava editando o jornal naquele dia. Peguei o texto do telegrama, fui para o bar do Chico, pedi um café e um bolo e fiquei a ler. Li e reli. Chocado, pedi mais um café (tomava uns 30 por dia nessa época) e fiquei a meditar. Eu tinha sido um participante do ano que não terminaria, me dividindo entre a universidade, com sua ocupação, e o jornal. Concluí que não havia mais lugar para mim depois do AI-5 em Belém do Pará. No dia 1º de janeiro de 1969 viajei para São Paulo. Achava que ali estaria o olho do furacão. Achei certo.

A outra cena foi em São Paulo, dois anos depois. Eu entrevistava o engenheiro e empresário Eduardo Celestino Ribeiro, paulista poderoso e influente, na antiga sede da Federação das Indústrias, no viaduto Maria Paula. Além de ser dono da Cetenco, Celestino tinha fazenda de gado no sul do Pará. E me falava sobre seus planos para a Amazônia, que consideravam indispensável derrubar a floresta para a formação de pastagem. Enquanto ele falava, meu olhar passou por ele, atravessou a janela do escritório e foi bem longe. Celestino era refinado, inteligente e quase culto. Se ele dizia aquelas coisas, o que não fariam os bugres bandeirantes paulistas do século XX?

Foi ali que decidi deixar a carreira acadêmica, como aluno de mestrado em ciência política de Oliveiros Ferreira e voltar para a minha terra. Minha Amazônia não era a mesma de Celestino. A dele, para se estabelecer, implicava a destruição da Amazônia que estava na minha raiz, na minha alma. Decidi entrar de vez no combate.

Falando em cinema, que filmes foram fundamentais na sua vida?

“Trinta anos esta noite”, “Quem tem medo de Virgínia Woolf”, “Os Indiferentes”, “Aquele que sabe viver”, “O silêncio”, “A velha dama indigna”, “Rio vermelho”,  “Ivã, o terrível”, “Vidas secas”, “Deus e o diabo na terra do sol”, “O desprezo”, “Blow-up”, “Alexander Nevski”, “Paixão de Ana”, “Marcelino, pão e vinho”. E outros mais.

Se você pudesse eternizar um momento na sua vida, qual seria?

O nascimento do meu primeiro filho, a Juliana. É quando o ser humano tem a ilusão de ser eterno. Ilusão que se prolonga pelos outros filhos – quatro, no meu caso – e os netos – também quatro, por ora.

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