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Quais as iniciativas da sociedade civil em apoio a Lúcio Flávio Pinto?

Carta aos leitores

Atualizado às 19h54min

Iniciado em fevereiro de 2012, o movimento “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” começou de forma descentralizada, a partir de manifestos de apoio por pessoas de diferentes formações e lugares do país ao jornalista paraense que deu nome e vigor à iniciativa.

Naquele momento, Lúcio, que há décadas responde a dezenas de processos judiciais em função da linha editorial do jornal independente que mantém há 26 anos, o Jornal Pessoal , acabara de ser condenado por ofensa moral a um empresário, hoje falecido, Cecílio do Rego Almeida, que comandou um megaesquema de grilagem de terras na Amazônia.

A comprovação da fraude articulada pelo empresário não foi suficiente para convencer o judiciário local de que o termo “pirata fundiário”, utilizado pelo jornalista em artigo no jornal, em 1999, não era uma agressão verbal ao grileiro, mas sim uma interpretação da contínua reprodução da violência de membros das elites econômicas brasileiras contra o patrimônio público e os bens naturais da região.

Se não houvesse a denúncia através do Jornal Pessoal, mais de 5 milhões de hectares de terras pertencentes à União seriam apropriados para beneficiar um único grupo em detrimento dos interesses de toda a sociedade brasileira.

A sentença proferida contra o jornalista pelo juiz Amílcar Guimarães, titular da 1ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Pará, não só despertou o descontentamento em relação às dezenas de processos enfrentados por Lúcio Flávio, mas também a solidariedade dos que reconhecem a importância do periódico para o apontamento de problemas e reflexões associados à região e comumente silenciados pelos veículos de comunicação locais, instituídos em um cenário de forte concentração midiática.

Criar este blog foi a forma que um grupo de apoiadores encontrou de congregar  as informações relacionadas à condenação e espalhar em ambientes virtuais a indignação do público, mobilizando pessoas em todo o Brasil – e até fora dele.

Juntos, alcançamos a meta de arrecadação dos valores para o pagamento da sentença indenizatória e ultrapassamos as expectativas de divulgação e acesso sobre o imbróglio judicial – portais nacionais e internacionais, junto com blogs renomados, veicularam notícias, além dos mais de 7 mil acessos no dia em que o juiz responsável pela sentença expôs em sua página no Facebook uma série de xingamentos contra o jornalista.

Por causa das rotinas profissionais dos administradores da página, decidimos suspender as atualizações. No entanto, o espaço será mantido para preservar virtualmente parte dessa memória de embates entre o fazer jornalístico comprometido com uma agenda eminentemente amazônica e os interesses econômicos e políticos dos que tentam impedir o acesso à informação e à comunicação pautada pelo interesse público. Esperamos que, dessa forma, o blog continue funcionando como um banco de dados importante sobre aspectos da história recente da Amazônia.

Retomaremos as postagens, se houver necessidade de novas ações coletivas em prol de objetivos semelhantes aos que o originaram.

Aproveitamos para agradecer a cada pessoa que integrou este movimento em respeito ao trabalho de um dos nomes mais importantes para o jornalismo regional. Agradecemos aos leitores que comentaram e compartilharam as postagens e que, dessa forma, ajudaram a disseminar as informações.

E, finalmente, desejamos muita sorte e saúde ao querido Lúcio Flávio Pinto, a quem enviamos o nosso carinho e um forte abraço.

Somos Todos Lúcio Flávio Pinto

***

Assim que fizemos esta última postagem, recebemos a notícia do falecimento de Dona Iraci de Faria Pinto, mãe do jornalista Lúcio Flávio Pinto e de seus irmãos, Eliacy, Raimundo José (in memorian), Luiz, Elias, Pedro e Paulo. Que a família possa encontrar conforto e paz neste momento.

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Rebeldia e ativismo político na web

Publicado no Observatório da Imprensa em 25 de junho de 2013. Ver o original aqui.

Por Célia Regina Trindade Chagas Amorim

Professora e vice-diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará

Este artigo analisa a formação de uma rede alternativa criada em 2012 na web em solidariedade ao jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal. A hipótese desta comunicação científica assenta-se na ação cívica que a rede contra hegemônica tem proporcionado na geopolítica contemporânea ao dar visibilidade, por meio de articulações e interações locais/nacionais/globais, à perseguição jurídica e política que o jornalista vem sofrendo por parte das Organizações Rômulo Maiorana, uma das mais poderosas empresas de Comunicação na Amazônia; por empreiteiros que se apossam ilegalmente de terras na região; e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE-PA), representado por juízes e desembargadores que usam como modus operandi o poder de negar sucessivos recursos impetrados pelo jornalista em sua defesa. A finalidade é calar a voz independente do periódico, que este ano completará 26 anos de atuação em defesa da causa pública na Amazônia. A rede de leitores, ativistas e profissionais de jornalismo vem se constituindo em uma nova esfera de ação comunicativa na web, engrossando outras esferas alternativas que se organizam independente do Estado, contra as injustiças na região. Os autores que balizam o presente estudo são Manuel Castells 1999; John Downing 2002; Berta Becker 2005; Violeta Loureiro, 2009.

Do local ao global

Negligenciar a história de luta de Lúcio Flávio Pinto é negligenciar uma parte considerável da história contemporânea da Amazônia. (CTA).

No mundo contemporâneo existem milhões de usuários agrupados em redes planetárias cobrindo todo o espectro da comunicação humana. A comunidade virtual “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” é uma delas. A rede se originou em fevereiro do ano passado, na internet, pelo direito de comunicação na Amazônia.

O epicentro foi a perseguição jurídica e política que vem sofrendo o sociólogo e jornalista Lúcio Flávio Pinto por parte das Organizações Rômulo Maiorana, uma das mais poderosas empresas de Comunicação na Amazônia; por empreiteiros que se apossam ilegalmente de terras na região, os chamados grileiros; e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE), representado por determinados juízes e desembargadores. Estes, intérpretes do Direito, usam como modus operandi procedimentos administrativos e jurídicos para negar sucessivos recursos impetrados pelo jornalista em sua defesa. Trata-se de uma justiça que historicamente defende interesses de grupos hegemônicos na região. A finalidade é dar fim à experiência alternativa do Jornal Pessoal.

Mesmo depois da era pré-www – 1995 – (Castells, 1999), a luta pelo direito de comunicação do jornalista era restrita a leitores da região; ou quando muito a alguns brasileiros e estrangeiros que recebiam pelos Correios o Jornal Pessoal, ainda no padrão gutemberguiano. Amante da cultura letrada, Lúcio Flávio Pinto somente aderiu à “Rede das redes” (Castells, 1999) em 2008 quando postou o Jornal Pessoal na íntegra. De um universo de apenas 2000 leitores, o alternativo ampliou o seu público de forma globalizada, já que a arquitetura tecnológica da Rede é aberta, possibilita amplo acesso sem restrições governamentais ou comerciais.

A comunidade “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” consolidou as ações alternativas do jornalista na web por meio do sítio (site) (https://somostodoslucioflaviopinto.wordpress.com/). Hoje a causa do jornalista e os grandes temas publicados de forma crítica e analítica pelo Jornal Pessoal – como trabalho escravo em pleno século 21, grilagem de terras, tráfico internacional de drogas, monopólio das comunicações, nepotismo no judiciário paraense, prostituição infantil, assassinatos no campo, conflitos fundiários, as grandes devastações e queimadas, desmandos dos poderes constituídos institucionalmente, perseguições políticas a jornalistas, matança de índios, etc. – saíram do circuito local e são conhecidos no mundo inteiro. Trata-se de uma nova esfera de ação comunicativa na web, engrossando as fronteiras de outras esferas alternativas que se organizam independente do Estado contra as injustiças sociais na Amazônia.

A Rede das redes: a nova era da comunicação alternativa

A internet é a estrutura central da comunicação global mediada por computadores (CMC). Trata-se da Rede que conecta as redes. A coexistência de interesses e culturas na Rede resultou na forma da World Wide Web – WWW (Rede de Alcance Mundial). (Castells, 1999).

A internet, como base da CMC, favorece a criação de comunidades virtuais, que de acordo com Rheingold, citado por Castells, “são redes eletrônicas autodefinidas de comunicações interativas e organizadas ao redor de interesses ou fins em comum” e podem ser de dois tipos, as formalizadas, portanto patrocinadas; ou as concebidas por meio de ações espontâneas nas redes sociais. (1999, p.443). A rede em solidariedade a Lúcio Flávio Pinto obedece ao segundo formato e se materializa a partir de uma postura de contra hegemonia de indivíduos envolvidos em formas interativas de comunicação, com a finalidade de furar o fluxo unilateral das mídias oficiais e do Estado na Amazônia.

Os primeiros a usar a web como ferramenta política foram os grupos fundamentalistas cristãos, os militares norte-americanos nos Estados Unidos da América e os zapatistas, movimento contra hegemônico que surgiu nas florestas do sudoeste mexicano.

Mas a internet, aos poucos, começou a ser usada por cidadãos comuns como um meio poderoso para a sociedade civil global protestar. No início da década de 1990, por exemplo, Castells informa que a democracia local dos EUA começou a ser ativada por meios de várias experiências cidadãs. Ele cita a cidade de Santa Mônica, na Califórnia, em que pessoas debateram questões dos sem-teto e transmitiram as opiniões ao governo. (1999, p. 449).

Experiências mais recentes são registradas pelo mundo. Em 2011 atos de protestos explodiram no mundo árabe em decorrência do desemprego e da monopolização de poder e riqueza em mãos de ditadores que comandavam vários países há anos. Os conflitos nesta região, que ficaram conhecidos como Primavera Árabe, não eram novos, mas ganharam uma grande dimensão por meio de mobilizações sociais na web.

Nas ruas da Tunísia, por exemplo, atos populares foram ampliados pelas postagens na internet contra a ditadura de Zine el-Abdine Ben Ali. As manifestações levaram a queda do presidente desde 1987 no poder. No Egito aconteceram mobilizações contra o regime autoritário de Hosni Mubarak. O povo egípcio, composto por 70% de jovens, utilizou a internet para marcar data, hora e local das manifestações. O resultado foi a saída de Hosni Mubarak, que estava no poder há 30 anos.

No Brasil, no dia 07 de março deste ano, a eleição do deputado federal Marco Feliciano do Partido Social Cristão (PSC) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) do Congresso Nacional, despertou reação negativa nas redes sociais, no parlamento brasileiro e nas ruas do país. O motivo foram as declarações homofóbicas e racistas do deputado. As minorias (como movimento LGBT e movimento negro) não se sentiram representadas pelo político, que também é pastor evangélico. No Facebook há registros da formação de grupos exigindo a saída de Feliciano do cargo. Dois deles são a comunidade “Cartazes & Tirinhas LGBT”, com aproximadamente 16 mil seguidores; e “Feliciano não me representa”, com mais de 12 mil seguidores.

Esses exemplos demonstram que na contemporaneidade as microredes ou redes como blogs, fotologs, comunidades, You Tube, MSN, Facebook, Twitter, etc., construídas a partir da sociedade civil representam um novo espaço de luta que é travada “à margem da mídia tradicional, mas que vai pelas bordas corroendo os grandes conglomerados e, dia após dia, ganhando novos leitores e adeptos” (FERRARI, 2010, p.36).

A Rede STLFP na geopolítica contemporânea

Antes de se adentrar na análise da rede contra hegemônica que se formou em solidariedade ao jornalista, é pertinente enfatizar a configuração geopolítica contemporânea assentada na revolução científico-tecnológica que possibilitou, entre outros fatores, uma ampliação da comunicação e de relações, por meio de fluxos e redes, em espaços-tempos diferenciados (BECKER, 2005).

A geopolítica, entendida como relações entre poder e espaço geográfico (BECKER, 2005), antes era caracterizada por pressões, intervenções, guerras, e conquistas do território, e estava representada no âmbito do poder do Estado. Na contemporaneidade este cenário mudou radicalmente. A geopolítica hoje se materializa na capacidade de poder influir de forma velada na tomada de decisão dos Estados sobre o uso do território. E para isso a Rede das redes torna-se fundamental.

De acordo com Becker,

“(…) Hoje, na acentuação de diferentes espaços-tempos reside uma das raízes da geopolítica contemporânea. As redes são desenvolvidas nos países ricos, nos centros do poder, onde o avanço tecnológico é maior e a circulação planetária permite que se selecionem territórios para investimentos, seleção que depende também das potencialidades dos próprios territórios. Ocorre que ao se expandirem e sustentarem as riquezas circulante, financeira e informacional, as redes se socializam. E essa socialização está gerando movimentos sociais importantes, os quais também tendem a se transnacionalizar” (BECKER, 2005, P).

Este novo cenário gerou dois mecanismos internacionais bastante complexos. Becker informa que o primeiro está relacionado ao sistema financeiro, da informação, do domínio do poder efetivamente das potências; já o segundo encontra-se no âmbito do internacionalismo dos movimentos sociais com seus atores sociais buscando suas próprias territorialidades, acima e abaixo da escala do Estado, suas próprias geopolíticas, articulando-se em escala planetária. “A Amazônia é um exemplo vivo dessa nova geopolítica, pois nela se encontram todos esses elementos” (Becker, 2005, p).

É no âmbito desta geopolítica contemporânea que se originou a rede “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” permitindo articulações e interações locais/ nacionais/globais para ampliar os protestos contra as violências físicas e jurídicas que o jornalista vem enfrentando por denunciar no Jornal Pessoal os sucessivos projetos geopolíticos internacionais e seus impactos ambientais e sociais na Amazônia. Trata-se de uma teia de redes que se posicionou politicamente tanto nacional quanto internacionalmente, promoveu manifestações e comentários na internet, com notícias e reportagens pelo mundo.

Por atitudes desta natureza é que Downing, pesquisador britânico, acredita que a internet, com foco numa postura de contra hegemonia, pode se transformar na “primeira esfera pública global” ao oportunizar “aos indivíduos e coletivos independentes de todo o mundo, a chance de comunicar-se, com suas próprias vozes, com uma audiência internacional de milhões de pessoas” (2002, p. 270-271).

Este exercício político da rede Somos Todos Lúcio Flávio Pinto foi adquirido no período de 1960-1985, era pré-internet, ambientada pela ditadura militar no Brasil, quando muitos amazônidas tiveram de lutar contra o projeto geopolítico dos novos donos do poder que tinha como matriz a apropriação privada das terras da Amazônia ao capital nacional e internacional. Grandes empresários nacionais e estrangeiros foram atraídos para a região por meio de vantagens de políticas públicas, propostas pelos militares. Mas a convivência com os povos tradicionais como índios, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, colonos, não foi pacífica.

É a partir da década de 1970, como resposta a apropriação privada da terra e da natureza em geral pelo capital, com o consequente desapossamento e a expulsão de seus antigos moradores, que os movimentos sociais começam a se organizar e a definir mais concreta e objetivamente, estratégias de negociação e linhas de ação para fazer frente e resistir ao avanço do capital, embora o primeiro movimento social de luta pela terra tenha sido registrado na região antes de 1970 (LOUREIRO, 2009, p.46).

Como a terra amazônica foi colocada à venda ou grilada – apropriação irregular da terra, por meio de documentos falsos – Loureiro informa que no início dos anos 1990 os conflitos e os movimentos sociais de resistência se intensificaram e distribuíram-se em vários e diversos tipos. “Os casos mais generalizados diziam respeito aos conflitos decorrentes da grilagem de terras, com posterior apropriação da mesma pelo comprador, ou a revenda da terra grilada” (LOUREIRO, 2009, p.47). Na maioria dos casos a terra pertencia a povos tradicionais da região que, à revelia, sofriam e ainda sofrem com a prática da grilagem, seguidas de apropriação e venda de seus terrenos.

Mas entre avanços e derrotas, é importante lembrar que hoje, na geopolítica contemporânea, proporcionada pelos avanços na área da tecnologia e da comunicação, “essa sociedade tem voz ativa na Amazônia e no Brasil, inclusive muitos grupos indígenas” (BECKER, 2005, p.). Já Loureiro (2009, p.194) afirma que a maioria dos movimentos sociais na Amazônica tem caráter cívico e procura marcar o espaço público por meio de atos de cidadania, de reivindicação coletiva para a defesa e promoção dos direitos humanos.

A rede Somos Todos Lúcio Flávio Pinto é um exemplo de ação contestatória em solidariedade à causa do jornalista, que de uma forma mais ampla, transforma-se em uma radical insubordinação ao modelo de desenvolvimento hegemônico imposto à Amazônia.

Ações políticas da Rede STLFP: Rebeldia e ativismo na Amazônia

A importância de participações políticas coletivas na web, do perfil da rede Somos Todos Lúcio Flávio Pinto, ganha um caráter ímpar na história da Amazônia, região de dimensões gigantescas que abriga na parte brasileira quase a metade do território do país. O acesso ainda é difícil, lento, caro, mas as redes de computadores têm possibilitado, gradualmente, novas formas de organização, participação e solidariedade comunitária na região.

A campanha começou na rede social do Facebook por meio da seguinte fanpage: “Lúcio Flávio Pinto” link: (https://www.facebook.com/pages/L%C3%BAcio-Fl%C3%A1vio-Pinto/141568969261232) com mais de 3 mil internautas; e no microblog do site (https://twitter.com/somostodoslucio) com outros seguidores.

A ação em solidariedade ao jornalista foi deflagrada após a divulgação de um texto-denúncia de Lúcio Flávio Pinto na web. Eis uma parte do texto do jornalista, que motivou a criação da rede.

“(…) Como no poema hindu, se alguém tem que queimar para que se rompam as chamas, que eu me queime. (…) Não pretendo o papel de herói. (…). Sou apenas um jornalista. Por isso, preciso, mais do que nunca, do apoio das pessoas de bem. Primeiro para divulgar (…) iniquidades, que cerceiam o livre direito de informar e ser informado, facilitando o trabalho dos que manipulam a opinião pública conforme seus interesses escusos. Em segundo lugar, para arcar com o custo da indenização (…)” (Lúcio Flávio Pinto, em 14 de fevereiro de 2012).

A mobilização nas redes sociais (Facebook, Twitter, e-mail etc.) foi imediata e intensa, com notícias, comentários, notas e fotos sobre o assunto. Uma das primeiras postagens na web, datada do dia 13 de fevereiro de 2012, foi do respeitado jornalista Raul Martins Bastos, com o título “A história de uma injustiça. Uma indignidade”, enviado, por e-mail, ao jornalista Ricardo Kotscho.

“(…) Os amigos do Lúcio Flávio, entre os quais com muito orgulho me incluo, decidiram que ele não pode e nem vai ficar sozinho. Vamos batalhar para tentar esgotar todas as possibilidades jurídicas do caso. Vamos batalhar para que o caso ganhe espaço na imprensa e nas redes sociais. Vamos chamar a atenção da imprensa especializada e internacional para o caso. Vamos batalhar, se por acaso ocorrer o pior, para que ele tenha recursos para enfrentar a situação. O objetivo deste email é pedir a sua ajuda. Primeiro, divulgando o que está acontecendo no seu veículo de comunicação, na sua coluna, nos sites, redes sociais. Depois, nos ajudando nas ações nas áreas das comunicações e mobilização que tomaremos diante de cada circunstância” (BASTOS, 2012).

Ricardo Kotscho respondeu com artigo intitulado “Jornalista ameaçado: somos todos Lúcio Flávio” no dia 15 de fevereiro de 2012, postado no blog Balaio do Kotscho, com a publicação na íntegra do texto de Raul Bastos.

Lúcio Flávio Pinto foi condenado pela justiça do Pará a indenizar por danos morais um dos maiores grileiros da Amazônia brasileira, Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida. O empreiteiro se disse ofendido porque Lúcio Flávio Pinto o chamou de “pirata fundiário”, em uma de suas matérias publicadas em 1999 no Jornal Pessoal. Cecílio do Rego Almeida grilou uma área de quase cinco milhões de hectares no Vale do rio Xingu, conhecida como Terra do Meio, no Pará.

Nestas terras há a exploração de madeira, mineração e garimpagem, além de tráfico de drogas e contrabando de ouro (LOUREIRO, 2009). Por ser rica em recursos naturais, a Terra do Meio apresenta um histórico de muitos conflitos entre vários atores sociais.

Nessa região, os pequenos produtores são ameaçados de morte, juntamente com agente pastoral, religiosos e membros de entidades não-governamentais que a estes conferem seu apoio na luta pela terra de trabalho. Outros atores sociais como agrimensores, fazendeiros, trabalhadores-escravos, “gatos”, peões, grileiros e fraudadores de papéis, matadores de aluguel, pilotos de pequenos aviões que aterrissam em campos de pouso clandestinos, garimpeiros, contrabandistas, madeireiros, compõem o quadro de personagens que se enredam em conflitos que, às vezes, tomam proporções impensáveis, envolvendo centenas de pessoas (LOUREIRO, 2009, P.78).

Esses conflitos sociais, exaustivamente analisados nas páginas do Jornal Pessoal, não passaram à margem da terra grilada pelo empreiteiro. Apesar de a área ter sido declarada patrimônio público pela justiça federal e o nome de Cecílio do Rego Almeida aparecer no “Livro Branco” da grilagem de terras do governo federal, o jornalista foi condenado a pagar 8 mil reais em valores de 2006. Este ano o valor corrigido chegou a R$ 25.116,75. As evidências da grilagem, fartamente comprovada em documentos pelo jornalista, foram deixadas de lado pelos magistrados do TJE-Pa que acompanhavam o caso. Cecílio do Rego Almeida faleceu em 2008, mas os herdeiros assumiram a causa.

Em uma semana de mobilização na web, a rede “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” conseguiu o valor necessário para pagar a sentença indenizatória determinada em 2006 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE). Lúcio Flávio Pinto, em carta publicada aos seus leitores no dia 14 de fevereiro do ano passado, disse que não acreditava mais na Justiça do Estado do Pará, e informou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegou o seguinte argumento ao não receber seu recurso:

“(…) Em razão da deficiente formação do instrumento; falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante de pagamento das custas do recurso especial e do porte de remessa e retorno dos autos”. […] A partir daí eu teria prazo para entrar com um recurso contra o ato do ministro. Ou então através de uma ação rescisória. Como o ministro do STJ negou seguimento ao agravo, a corte não pode apreciar o mérito do recurso especial. A única sentença de mérito foi a anterior, do Tribunal de Justiça do Estado, que confirmou minha condenação, imposta pelo juiz substituto (não o titular, portanto, que exerceu a jurisdição por um único dia) de uma das varas cíveis do fórum de Belém. Com a ação, o processo seria reapreciado (…) (PINTO, 2012b).

Como o TJE-PA demorou a executar a sentença, no dia 12 de março de 2013, Lúcio Flávio Pinto compareceu espontaneamente na sede do Tribunal e pediu para pagar a indenização à família do empreiteiro, depositando o valor de R$ 25.116,75 em conta do poder judiciário. A postura do jornalista, inédita neste fórum amazônico, movimentou novamente as redes sociais do mundo.

Eis a imagem do site criado pela rede Somos Todos Lúcio Flávio Pinto com a nota ao público do jornalista divulgando que fez o pagamento da indenização à família do empreiteiro.

À época, a campanha de arrecadação pela internet do manifesto pró-Lúcio Flávio Pinto contou com a seguinte conta: Banco do Brasil, agência 3024-4, conta-poupança 22.108-2, em nome de Pedro Carlos de Faria Pinto, irmão do jornalista e administrador do fundo. Após a campanha atingir a soma do valor indenizatório, Lúcio Flávio Pinto agradeceu a todos e solicitou a suspensão da contribuição financeira. “(…) Quem vai pagar pela decisão aviltante do TJE do Pará será o contribuinte, o cidadão, que, no dia da execução da sentença absurda, comparecerá ao Palácio da Justiça para testemunhar o ato desonroso. Dessa roda não participaram as instituições. (…) Elas se calaram, se omitiram ou se acovardaram” (PINTO, 2012).

O ativismo político da rede “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” não permaneceu apenas no universo virtual. No ano passado houve mobilização social por meio de diversas campanhas para coleta de assinaturas em praças públicas de Belém, como Praça da República, logradouro escolhido para o lançamento do abaixo-assinado pró-Lúcio Flávio Pinto. O documento, que registra a história de perseguição do jornalista na Amazônia, alvo de 33 processos na Justiça do Pará, foi encaminhado pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará (Sinjor-Pará) ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com centenas de assinaturas.

A rede promoveu ainda mesas-redondas, palestras e seminários. Um ato público importante aconteceu no dia 6 de março de 2012, no auditório do Ministério Público Federal – Pará. O evento contou com debates, mostra de vídeo, apresentação de música e mais coleta de assinatura. Houve transmissão ao vivo pela internet.

No dia 27 de fevereiro de 2013 foi lançada outra manifestação nacional em solidariedade a Lúcio Flávio Pinto por importantes associações públicas, movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, universidades, além de adesões individuais. No documento da manifestação destacam-se não só o caso da grilagem de terras na Amazônia por Cecílio Rego Almeida, mas também os processos jurídicos de 1992/1993 e de 2005 pela família Maiorana, com 19 ações, entre cíveis e criminais no TJE-PA, contra Lúcio Flávio Pinto. O jornalista em artigo do alternativo, edição de capa, nº 337, intitulada “O rei da quitanda”, denunciou o monopólio dos meios de comunicações pela família Rômulo Maiorana na Amazônia e seu esquema de poder político e econômico sobre governos e empresas. De acordo com trechos do manifesto:

“(…) O judiciário paraense, em grande parte, tem usado parâmetros claramente tendenciosos quando avalia os processos contra LFP. Em geral são dois pesos e duas medidas. O peso da bigorna inevitavelmente tem ficado nas costas do jornalista. (…) Analisando os processos, observa-se que vários foram os juízes que se afastaram dos casos que envolvem LFP e os poderosos da região, alguns por suspeição, outros alegando motivo de foro íntimo. O forte simbolismo da ‘justiça cega’ estará sempre ancorado na crença da imparcialidade, essência da mesma. Quando a justiça, e aqueles que cuidam dela, fecha os olhos para si mesma, abrem-se os tortos caminhos pautados, apenas, por interesses políticos e econômicos. Lúcio Flávio Pinto, a sociedade brasileira e, em especial, a sociedade paraense, só querem que a justiça seja cega, e justa (…)” (Manifesto em defesa de LFP, 2013).

A divulgação na internet do manifesto remete aos argumentos de Downing, quando ressalta que na era da comunicação alternativa na web há duas questões importantes a se considerar no que diz respeito aos produtores de mídias alternativas e os ativistas populares. A primeira é que por meio das redes eletrônicas, os cidadãos envolvidos nos movimentos sociais podem se expressar diretamente por meio de documentos postados na Rede das redes. Isso suscita uma mudança democrática substancial ao trocar “a estratégia de dar voz aos que não têm voz pela estratégia de deixar as pessoas falar por si mesmas” (Downing, 2002, p.275). Já a segunda está ligada às tendências socioeconômicas contemporâneas forçando “os ativistas sociais a lutarem para proteger as liberdades civis e os direitos humanos, ao mesmo tempo em que contestam as políticas econômicas regressivas” (2002, p. 275).

Sob este aspecto proposto por Downing, as fronteiras que separavam o jornalismo de Lúcio Flávio Pinto dos ativistas populares e intelectuais que apoiam a sua causa estão cada vez mais tênues. No site “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” é possível observar uma hibridização de textos do jornalista com opiniões, textos e outras postagens dos ativistas e leitores do Jornal Pessoal.

Mais uma vez, a rede “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” tem provocado a formação de várias redes de ativismo político na web. As entidades que assinam novo manifesto são:

Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO); Associação Brasileira dos Ogãs (ABO), Associação das Organizações das Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas (AOMT-BAM), Associação de Artesãos do Estado do Amapá (AART – AP), Associação de Divisão Comunitária e Popular (ADCP), Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Santana (AGLTS), Associação de Hortifrutigranjeiros, Pescadores e Ribeirinhos de Marabá (AHPRIM), Associação de Moradores Quilombolas da Comunidade de São Tomé do Aporema (AMQCSTA),Associação de Mulheres do Abacate da Pedreira (AMAP), Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo do Curiaú (AMVQC), Associação de Proteção ao Riacho Estrela e Meio Ambiente (APREMA), Associação dos Moradores do Bengui (AMOB), Associação Educacional Mariá (AEM)Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA), Associação Grupo Beneficente Novo Mundo (GBNM), Associação Sociocultural de Umbanda e Mina Nagô (ACUMNAGRA)Encanto – Casa Oito de Março – Organização Feminista do Tocantins, Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN),Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA), Centro de Treinamento e Tecnologia Alternativa Tipiti (CENTRO TIPITI), Centro Pedagógico e Cultural da Vila Nova (CPCVN), Centro Popular pelo Direito a Cidade (CPDC), Coletivo Jovem de meio Ambiente do Pará (CJ-PA), Comunidade de saúde, desenvolvimento e educação (COMSAÚDE), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM),Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga (COMTRABB), Cooperativa de Trabalho, Assistência Técnica, Prestação de Serviço e Extensão Rural (COOPTER),Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (FAMCOS),Federação das Entidades Comunitárias do Estado do Amapá (FECAP), Federação de Cultos Afroreligiosos de Umbanda e Mina Nagô (FECARUMINA), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE – Programa Amazônia),Fórum Carajás,Fórum de Participação Popular em Defesa dos Lagos Bolonha e Água Preta e da APA/Belém – Fórum dos Lagos, Fórum dos Movimentos Sociais da BR-163/PA (FMS BR-163), Fórum dos Movimentos Sociais de Belterra (FMSB), Fundação Tocaia (FunTocaia), Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá (GHATA), Grupo Identidade LGBT, Grupo Ipê Amarelo pela Livre Orientação Sexual (GIAMA), Instituto de Desenvolvimento Social e Apoio aos Direitos Humanos Caratateua (ISAHC), Instituto de Divulgação da Amazônia (IDA), Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA), Instituto EcoVida, Instituto Saber Ser Amazônia Ribeirinha (ISSAR), Instituto Trabalho Vivo (ITV), Irmãs de Notre Dame de Namur (SNDdeN), Marcha Mundial das Mulheres (MMM – AP), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto Urbano (MSTU), Movimento Afrodescendete do Pará (MOCAMBO), Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB) Movimento de Mulheres Empreendedoras da Amazônia (Moema), Movimento de Promoção da Mulher (Moprom), Movimento República de Emaús (MRE), Mulheres de Axé, Rede de Educação Cidadã (RECID), Sindicato das Empregadas Domésticas do Estado do Amapá (SINDOMESTICA), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM), Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR-MA),Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (SODIREITOS), União Folclórica de Campina Grande (UFCG), União Municipal das Associações de Moradores de Laranjal do Jarí (UMAMLAJ), Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC), Associação dos Concursados do Pará (ASCONPA), Associação Sindical Unidos Pra Lutar, Comissão Pastora da Terra (CPT/PA), Conselho Indigenista Missionário Regional Norte II (CIMI), Comitê Dorothy, Central Sindical e Popular CONLUTAS, Diretório Central dos Estudantes/UFPA, Diretório Central dos Estudantes/UNAMA, Diretório Central dos Estudantes/UEPADiretório Central dos Estudantes/UFRA, Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA), Fundo Dema/FASE, Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS), Instituto Universidade Popular (UNIPOP), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Luta de Classes (MLC), Movimento Estudantil Vamos à Luta, Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Partido Comunista Revolucionário (PCR), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Pará (SINTSEP/PA), Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Belém e Ananindeua,Vegetarianos em Movimento (VEM), Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará (AITESAMPA), Associação dos Empregados do Banco da Amazônia (AEBA), Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP), Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB), Instituto Amazônico de Planejamento, Gestão Urbana e Ambiental (IAGUA), Mana-Maní Círculo Aberto de Comunicação, Educação e Cultura, Rede de Juventude e Meio Ambiente (REJUMA), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Gestão Ambiental do Estado do Pará (SINDIAMBIENTAL), JUNTOS! Coletivo de Juventude, Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino Superior no Estado do Pará (SINDTIFES), Tô Coletivo, Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL), Grêmio da Escola Estadual “Ulysses Guimarães”, Contraponto, Associação dos Funcionários do BANPARÁ (AFBEPA), Associação Ka’apor Ta Hury do Rio Gurupi – MA, Núcleo Ka’apor de Agroecologia do Turiaçu – MA (NUKA’ATURI), Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Centro de Formação do Negro e Negra da Transamazônica e Xingu, Mutirão pela Cidadania, Movimento das Mulheres do Campo e Cidade – Regional Transamazônica e Xingu, Associação Rádio Comunitária Nativa de Altamira, Justiça Global, GT Combate ao Racismo Ambiental, Entidades que integram o GT Combate ao Racismo Ambiental, AATR – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – Salvador – BA, Amigos da Terra Brasil – Porto Alegre – RS, ANAÍ – Salvador – BA, APROMAC – Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte – PR, Associação Aritaguá – Ilhéus – BA, Associação de Moradores de Porto das Caixas (vítimas do derramamento de óleo da Ferrovia Centro Atlântica) – Itaboraí – RJ, Associação Socioambiental Verdemar – Cachoeira – BA, CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) – Belo Horizonte – MG, Central Única das Favelas (CUFA-CEARÁ) – Fortaleza – CE, Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA) – Belém – PA, Centro de Cultura Negra do Maranhão – São Luís – MA, Coordenação Nacional de Juventude Negra – Recife – PE, CEPEDES (Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia) – Eunápolis – BA, CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) – São Paulo – SP, CPP (Conselho Pastoral dos Pescadores) Nacional, CPP BA – Salvador – BA, CPP CE – Fortaleza – CE, CPP Nordeste – Recife (PE, AL, SE, PB, RN), CPP Norte (Paz e Bem) – Belém – PA CPP Juazeiro – BA, CPT – Comissão Pastoral da Terra Nacional, CRIOLA – Rio de Janeiro – RJ EKOS – Instituto para a Justiça e a Equidade – São Luís – MA, FAOR – Fórum da Amazônia Oriental – Belém – PA, FAPP-BG – Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía de Guanabara – RJ, Fase Amazônia – Belém – PAFase Nacional (Núcleo Brasil Sustentável) – Rio de Janeiro – RJ, FDA (Frente em Defesa da Amazônia) – Santarém – , PA, Fórum Carajás – São Luís – MA Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará – Fortaleza – CE, FUNAGUAS – Terezina – PIGELEDÉS – Instituto da Mulher Negra – São Paulo – SP, Grupo de Pesquisa da UFPB – Sustentabilidade, Impacto e Gestão Ambiental – PB, GPEA (Grupo Pesquisador em Educação Ambiental da UFMT) – Cuiabá – MT, Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado e do Direito: interações sociedade e meio ambiente, da UFBA – Salvador – BA, GT Observatório e GT Água e Meio Ambiente do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) – Belém – PA, IARA – Rio de Janeiro – RJ, Ibase – Rio de Janeiro – RJ, INESC – Brasília – DF, Instituto Búzios – Salvador – BA, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – IF Fluminense – Macaé – RJ, Instituto Terramar – Fortaleza – CE, Movimento Cultura de Rua (MCR) – Fortaleza – CE, Movimento Inter-Religioso (MIR/Iser) – Rio de Janeiro – RJ, Movimento Popular de Saúde de Santo Amaro da Purificação (MOPS) – Santo Amaro da Purificação – BA, Movimento Wangari Maathai – Salvador – BA, NINJA – Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Universidade Federal de São João del-Rei) – São João del-Rei – MG, Núcleo TRAMAS (Trabalho Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade/UFC) – Fortaleza – CE, Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego – Macaé – RJ, Omolaiyè (Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais) – Aracajú – SE, ONG.GDASI – Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá – Mangaratiba – RJ, Opção Brasil – São Paulo – SP, Oriashé Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra – São Paulo – SP, Projeto Recriar – Ouro Preto – MG, Rede Axé Dudu – Cuiabá – MT, Rede Matogrossense de Educação Ambiental – Cuiabá – MT, RENAP Ceará – Fortaleza – CE, Sociedade de Melhoramentos do São Manoel – São Manoel – SP, Terra de Direitos, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental – PR, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Revista Polichinello. Integrantes do GT Combate ao Racismo Ambiental.

Adesões individuais: Ana Almeida – Salvador – BA; Ana Paula Cavalcanti – Rio de Janeiro – RJ; Angélica Cosenza Rodrigues – Juiz de Fora – Minas; Aparecida Oliveira – ILhéus – BA; Brenda Vicente Taketa – Belém – PA; Carmela Morena Zigoni – Brasília – DF; Cecília Mendes – Belém – PA; Célia Trindade Amorim – Professora da Faculdade de Comunicação da UFPa – PA; Cíntia Beatriz Müller – Salvador – BA; Cláudio Silva – Rio de Janeiro – RJ; Cristóvam Araújo – Daniel Fonsêca – Fortaleza – CE; Daniel Silvestre – Brasília – DF; Danilo D’Addio Chammas – São Luiz – MA; Diogo Rocha – Rio de Janeiro – RJ; Edgar Castro; Eleonor Cunha; Ericson Quaresma Aires – Belém – PA; Fernando Rabello – Parintins – AM; Florival de José de Souza Filho – Aracajú – SE; Igor Vitorino – Vitória – ES; Inaldo da Conceição Vieira Serejo – São Luís – MA; Janaína Tude Sevá – Rio de Janeiro – RJ; João Barbosa; José Cláudio Seixas de Aragão; José Maria Souza; Josie Rabelo – Recife – PE; Juliana Souza – Rio de Janeiro – RJ; Leila Santana – Juazeiro – BA; Luan Gomes dos Santos de Oliveira – Natal – RN; Luís Claúdio Teixeira (FAOR e CIMI) Belém- PA; Marco Antonio Baima de Oliveira; Maria do Carmo Barcellos – Cacoal – RO; Marly Silva – Belem – PA; Maurício Paixão – São Luís – MA; Mauricio Sebastian Berger – Córdoba, Argentina; Mateus Breyer; Myriam Reeve – São Paulo – SP; Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio – São Carlos – SP; Paulo Faria – Companhia Teatral Pessoal do Faroeste – SP; Pedro Rapozo – Manaus – AM; Raquel Giffoni Pinto – Volta Redonda – RJ; Revista Polichinello / Nilson Oliveira; Ricardo Stanziola – São Paulo – SP; Robin Wright – Universidade da Flórida – EUA; Rodrigo Basrros; Rodrigo dos Santos – São Paulo – SP; Rosângela Martins; Rose Silveira – São Paulo – SP; Roseana de Seixas Brito – Rio de Janeiro – RJ; Rosivaldo Amorim – Professor da UFPa – PA; Ruben Siqueira – Salvador – BA; Rui Kureda – São Paulo – SP; Samuel Marques – Salvador – BA; Sebastião Raulino – Rio de Janeiro – RJ; Sérgio Gustavo Figueira Fialho; Sheila Luppi; Tania Pacheco – Rio de Janeiro – RJ; Telma Monteiro – Juquitiba – SP; Telma Oliveira; Teresa Cristina Vital de Sousa – Recife – PE; Tereza Ribeiro – Rio de Janeiro – RJ; Thadeu Lobo; Thais Pinheiro – Belém – PA; Vânia Regina de Carvalho – Belém – PA; Vitor Mendes – Waldir Cardoso – Belém – PA; Yan Quaresma – Sebo Porão Cultural – Belém- PA.

Considerações finais

Na geopolítica contemporânea a Amazônia não pode mais ser um reduto exclusivo de uma elite que nasceu fadada a encarar a região como colônia de matérias primas e de produtos semielaborados para alimentar somente o mercado internacional. Não se admite mais uma história que privilegie apenas interesses de uma minoria historicamente favorecida.

A rede “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” é um exemplo de rebeldia e ativismo político na web contra a perseguição jurídica e política que vem enfrentando o jornalista há 21 anos, e de forma mais ampla, contra todas as injustiças sociais da região. Trata-se de um movimento que utiliza a Rede das redes para exigir no debate global o direito à liberdade de comunicação na Amazônia sem os filtros oficiais do Estado, dos meios de comunicação aliados, e de um Tribunal que ousa transgredir formas elementares de direitos, incluído os da Constituição do País.

Negligenciar a história de luta do jornalista Lúcio Flávio Pinto, é negligenciar uma parte considerável da história contemporânea da Amazônia. As adesões à luta do jornalista continuam. Para apoiar o movimento, basta acessar o site da rede “Somos Todos Lúcio Flávio Pinto” na web.

Referências bibliográficas

BECKER, Berta K. Geopolítica da Amazônia. Conferência do Mês do Instituto de Estudos Avançados da USP proferida pela autora em 27 de abril de 2004. In: Estudos avançados 19 (53), 2005.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

DOWNING, John. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Senac, 2002.

FERRARI, Pollyana. A Força da Mídia Social – Interface e linguagem jornalística no ambiente digital. São Paulo: Editora Factash, 2010.

LOUREIRO, Violeta Refklefsky. A Amazônia no século XXI, novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Editora. Empório do Livro, 2009.

PINTO, Lúcio Flávio. Guerra Amazônica – o jornalismo na linha de tiro de grileiros, madeireiros, intelectuais etc.Belém: O Autor, 2005, 300 p. Edição independente com textos extraídos do Jornal Pessoal.

Jornais:

PINTO. Lúcio Flávio. “O rei da quitanda”. Jornal Pessoal, nº 337, 1 quinz.de jan. 2005.

______. O fim da “Ceciolândia”. Jornal Pessoal, nº 508, 1ª quinz. mar. de 2012a.

______. Grilagem. “A pirataria nas terras da Amazônia”. Dossiê Jornal Pessoal, nº 1, mar. de 2012b.

_____. “Pará recupera terras”. Jornal Pessoal, nº 533, mar. de 2013.

Sites:

Lúcio Flávio Pinto agradece ao Público pela solidariedade.https://somostodoslucioflaviopinto.wordpress.com/2012/03/02/lucio-flavio-pinto-agradece-ao-publico-pelo-sucesso-da-campanha/. Acesso dia 12 de novembro, de 2012

Lançamento de abaixo-assinado em favor de LFPhttps://somostodoslucioflaviopinto.wordpress.com/2012/03/04/lancamento-de-abaixo-assinado-em-favor-de-lfp/. Acesso dia 14 de dezembro de 2012.

Jornalista ameaçado: somos todos Lúcio Flávio. IN Balaio do Kotscho. http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/2012/02/14/jornalista-ameacado-somos-todos-lucio-flavio. Acesso dia 30 de novembro de 2012.

Um ano de Primavera Árabe, a primavera inacabada. In http://topicos.estadao.com.br/primavera-arabe. Acesso dia 11 de fevereiro de 2013.

Pelo Brasil, um desejo comum: “Fora, Feliciano”. http://noticiavirtual.net.br/pelo-brasil-um-desejo-comum-fora-feliciano. Acesso dia 25 de março de 2013.

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Lúcio Flávio Pinto e Paulo Roberto Ferreira depõem na Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará

A audiência pública na Alepa. Foto: Eduardo Kalif

A audiência pública na Alepa. Foto: Eduardo Kalif

Lúcio Flávio Pinto faz seu depoimento. Foto: Eduardo Kalif

Lúcio Flávio Pinto faz seu depoimento. Foto: Eduardo Kalif

O depoimento do jornalista Paulo Roberto Ferreira. Foto: Eduardo Kalif

O depoimento do jornalista Paulo Roberto Ferreira. Foto: Eduardo Kalif

Do Blog da Franssinete Florenzano, em 22 de março de 2013

Ver a postagem original aqui.

Raimundo Jinkings, Luiz Maklouf Carvalho, João Marques, Raimundo José Pinto, Paulo Roberto Ferreira, Lúcio Flávio Pinto, Pedro Estevam da Rocha Pomar (que usava o codinome Marcos Soares), João Vital, Carlos Boução, Nélio Palheta, Sérgio Palmquist, Agenor Garcia, Rosaly Brito e Sérgio Bastos, entre outros jornalistas que atuavam tanto na chamada grande imprensa quanto em jornais alternativos como o “Resistência”, editado pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, foram mencionados ontem, durante os depoimentos dos jornalistas Lúcio Flávio Pinto e Paulo Roberto Ferreira, na primeira audiência pública da Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará, realizada no auditório João Batista da Assembleia Legislativa, aberta oficialmente pelo presidente da Alepa, deputado Márcio Miranda (DEM), e da qual participaram os deputados Carlos Bordalo(PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, e Edilson Moura(PT), vice-presidente da Comissão de Segurança Pública, o presidente da OAB-PA, Jarbas Vasconcelos, Gabriela Dutra, representante da Prefeitura de Belém, a presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará, jornalista Sheila Faro, a presidente da Associação Cidade Velha, Cidade Viva e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Dulce Rosa Rocque, e o presidente do Fórum Belém, José Francisco da Fonseca Ramos. A Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará é integrada pelos jornalistas Franssinete Florenzano (presidente), Emanuel Villaça, José Maria Pedroso (Piteira), Priscila Amaral e Luciana Kellen, todos membros do Sinjor-PA.

Lúcio Flávio Pinto traçou um panorama geral do período compreendido entre 1964 e 1985, apontando a adesão da grande imprensa ao regime, no Pará, e a perseguição imposta aos jornalistas que ousaram pautar, produzir e publicar reportagens sobre questões polêmicas como a manipulação dos índices econômicos pelo então ministro Delfim Netto, a prisão de 14 lavradores posseiros em São Geraldo do Araguaia, na sede do GETAT – Grupo Executivo de Terras Araguaia-Tocantins, onde foram torturados para acusar os padres franceses Aristides Camio e François Gouriou, missionários da diocese de Conceição do Araguaia, presos no dia 31 de agosto de 1981, acusados de incitar invasões de terra no sul do Pará, e em seguida julgados pela Justiça Militar e expulsos do País; e a Guerrilha do Araguaia, luta armada travada no sul do Pará que resultou no extermínio dos jovens idealistas que lutavam contra a ditadura.

Pontuando que havia entre os militares homens dignos e que inclusive alguns eram suas fontes, Lúcio Flávio Pinto disse que é um equívoco afirmar que quem não foi torturado, preso ou incomodado durante a ditadura militar foi conivente com ela. Nesse período, tão desfavorável à coleta de informações e à transmissão de verdades, quando até conversar com essas pessoas era arriscado, ainda assim, contra todas as expectativas dos censores e controladores da opinião pública, a imprensa conseguia surpreender com reportagens fortes, substanciais, bem informadas. Isto graças a fontes situadas às vezes em posição de destaque dentro da estrutura do poder, tanto no governo quanto nas grandes empresas privadas.

As fontes se arriscavam muito, relatou Lúcio. Mas se arriscavam por confiarem nos seus interlocutores da imprensa, que se comprometiam a manter completo sigilo – se necessário e em qualquer circunstância. E a serem corretos no uso das informações fornecidas.

Em seu depoimento, o jornalista Paulo Roberto Ferreira contou que foi admitido através de concurso na Caixa Econômica Federal em 07/04/1976Mas, em 05/11/1980, foi demitido, sem justa causa, em decorrência de perseguição política, porque atuava como jornalista voluntário no jornal “Resistência”, da SPDDH, e militava na luta pela redemocratização do País, que vivia sob a ditadura militar.

Antes, Paulo Roberto foi transferido para Óbidos, a 996 Km de Belém, por via fluvial. Era recém casado, sua mulher trabalhava em Belém e sua primeira filha já estudava, também em Belém. Reintegrado ao seu local de trabalho de origem por força de ordem judicial, concorreu à diretoria da associação de funcionários, o que lhe asseguraria o direito à imunidade sindical. Na véspera da eleição, foi demitido.

O regime político agia em várias frentes, relatou Paulo Roberto. Além de criar toda sorte de embaraço, no seu local de trabalho, intimidava, convocava e indiciava as pessoas, de forma a provocar pânico e medo. Foi intimado e indiciado duas vezes pela Polícia Federal, onde inquéritos o enquadraram na Lei de Segurança Nacional e uma vez pela Divisão de Ordem Política e Social da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará. Todos foram arquivados pelo Ministério Público Militar, por absoluta inconsistência das peças acusatórias. Até 1987, sua vida foi objeto de investigação pelos órgãos de repressão, com relatórios de todos os lugares por onde passou desde que foi demitido da CEF.

Paulo rememorou que o primeiro presidente da SPDDD foi o advogado e na época ex-preso político  Paulo Fonteles de Lima (que depois foi deputado estadual e foi assassinado), que decidiu criar um veículo de comunicação, com o objetivo de difundir as notícias que a grande imprensa, por conveniência, autocensura e até mesmo por imposição da censura oficial, não publicava. E assim despontou o jornal “Resistência” em 1978, que funcionou regularmente até 1983, depois esporadicamente e hoje é veiculado na internet.

Embora a sede da SP DDH funcionasse numa sala da casa paroquial da igreja católica Nossa Senhora Aparecida, no bairro da Pedreira, em Belém, era diagramado na casa do editor ou de algum colaborador. O temor do empastelamento atormentava a todos os que faziam o jornal. Diagramadores que trabalhavam na grande imprensa não permitiam que seus nomes figurassem no expediente.

Paulo Roberto Ferreira anotou que a primeira edição estampou na capa o título “Novos conflitos na fazenda Capaz”, situada no município de Paragominas. O número 2 tinha como manchete “Quem decide por Alacid?”. Analisava o desempenho do tenente-coronel Alacid Nunes, governador paraense nomeado pela segunda vez, em meio às disputas ocultas no meio militar. O número 3 fazia uma acusação de corrupção ao ex-governador e ex-senador pelo Pará Aloysio Chaves. E na quarta edição os temas eram “Corrupção no cais” e “Grilagem no Maranhão”. Antes que a quinta edição deixasse a gráfica, todos os exemplares foram apreendidos pela Polícia Federal, sem mandado judicial. Isso foi em agosto de 1978. O chefe da oficina gráfica foi detido e levado para prestar depoimento. E o jornalista Luiz Maklouf Carvalho, editor do jornal, foi chamado a depor e enquadrado na famigerada Lei de Segurança Nacional.

A fúria dos censores foi a matéria de capa da edição, que tratava do depoimento de quatro ex-presos políticos, ao contarem as torturas que sofreram nas dependências dos órgãos da repressão militar. “Fomos torturados no Ministério do Exército”, era a manchete. Os quatro eram Hecilda Veiga, socióloga; Humberto Cunha, agrônomo; Paulo Fonteles, advogado; e Isabel Tavares, historiadora.

Casados, Paulo e Hecilda foram presos quando estudantes, em Brasília, onde foram torturados dentro de uma unidade do Exército Brasileiro. Humberto e Isabel também eram casados. Humberto foi vítima do famigerado Decreto 477, que legitimava a expulsão de estudantes que figuravam na lista negra da ditadura. Os quatro atuaram como militantes de organizações clandestinas e eram membros do PC do B na época do processo contra o Resistência. Mas estavam legalmente filiados ao MDB, o partido de oposição consentido pelo regime.

Após a apreensão do jornal e abertura de processo que tramitou na Auditoria Militar de Belém contra várias pessoas que constavam no expediente do jornal, a notícia ganhou dimensão nacional e o caso foi relatado em vários jornais da chamada imprensa alternativa e também nos diversos fóruns de discussão da luta pela redemocratização. Meses depois a denúncia contra Maklouf e seus companheiros não foi aceita pelo Ministério Público Militar e o processo foi arquivado.

Quem assinava como jornalista responsável pelo Resistência era o livreiro Raimundo Jinkings, jornalista profissional, militante e dirigente do PCB. Na condição de bancário do Banco da Amazônia, Jinkings foi vítima de perseguição política, logo após o golpe militar de 1964. Demitido do banco, ele montou uma pequena livraria na cidade, que aos poucos foi crescendo e se tornou uma grande referência, uma espécie de ponto de encontro da intelectualidade paraense.

Ali se encontrava o que era permitido pela censura, como também os livros que estavam na lista negra do regime. Homem calmo e de bom diálogo, Jinkings conseguia ter entre seus clientes até militares tidos como da linha dura do regime. Jinkings tinha intensa militância no Sindicato dos Jornalistas e também foi vice-presidente da SDDH e escrevia, com frequência, artigos para o Resistência. Foi militante ativo do núcleo pela anistia da SDDH e por isso mesmo pagou caro quando a entidade decidiu promover um debate com Miguel Arraes, ex-governador pernambucano, preso e perseguido político, que retornara do exílio poucos meses antes.

Véspera da chegada de Arraes a Belém, a porta da igreja de N. Sra. de Aparecida (onde funcionava a SDDH) amanheceu pichada com a frase CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e a vidraça da Livraria Jinkings alvejada por um tiro de pistola, além de pichada com a aterrorizante inscrição. O mesmo aconteceu na casa do presidente da SDDH, o economista Jaime Teixeira.

Dois dias antes do Círio de Nazaré, no dia 0 de outubro de 1982, a PF invadiu a gráfica Suyá, que imprimia o Resistência, e a sede da Comissão Pastoral da Terra, em Belém, a fim de recolher materiais que seriam distribuídos no dia da romaria, em protesto contra a prisão e condenação dos 15 presos do Araguaia (padres e posseiros).

Prenderam e arrebentaram. Espancaram, algemaram, provocaram, identificaram, fotografaram, sequestraram objetos. Foram duas horas de terror na gráfica do jornal. O editor Luiz Maklouf Carvalho foi espancado e ameaçado de fuzilamento. O distribuidor do Resistência, Carlos Boução, foi algemado, junto com o repórter João Vital e o vice-presidente da SDDH, Daniel Veiga. Dois gráficos, Alberdan Batista, vice-presidente do Sindicato dos gráficos, e o impressor Arlindo Rodrigues fizeram companhia aos outros quatro. Dezenas de pessoas, entre colaboradores, funcionários, clientes da gráfica e amigos foram presos aos chegar ao prédio. Eram colocados de frente para uma parede e fotografados. O jornalista Paulo Roberto Ferreira, que era gerente da gráfica e diretor do jornal, conseguiu perceber a movimentação, correu, avisou a imprensa e amigos, e voltou. Foi preso e levado para depor na sede da PF.

Novo inquérito policial militar foi aberto contra os jornalistas, diretores da SDDH e colaboradores do jornal, que também foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Depois de meses de apuração, o inquérito foi arquivado. Mas as perseguições continuaram.

João Marques, o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará, foi um dos fundadores do Resistência. E, na condição também de advogado, defendia as lideranças comunitárias que lutavam pelo direito de morar na periferia de Belém, recordou Paulo Roberto, enfatizando ainda o trabalho do jornalista Raimundo José Pinto à frente do Sindicato dos Jornalistas do Pará.Ao final de seu depoimento, Paulo Roberto entregou à Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará cópias documentos existentes no acervo do SNI e Centro de Informações da Aeronáutica, nos quais o seu nome é citado como membro de diversas organizações clandestinas e que revelam as avaliações dos agentes sobre as pessoas que lutavam pela democracia. 

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Império da Lei (Caetano Veloso)

O império da lei há de chegar no coração do Pará.
O império da lei há de chegar no coração do Pará.

O império da lei há de chegar lá.
O império da lei há de chegar lá.

Quem matou meu amor tem que pagar
E ainda mais quem mandou matar
Ter o olho no olho do jaguar
Virar jaguar.

O império da lei há de chegar no coração do Pará.
O império da lei há de chegar no coração do Pará.

***
Assim esperamos.

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25/01/2013 · 12:29 PM

Jornalista paraense é novamente condenado a pagar indenização exorbitante a empresário

Os mais de 30 processos judiciais movidos contra Lúcio Flávio Pinto desde os anos 1990 representam uma tentativa de inviabilizar a produção do jornal alternativo que denuncia fraudes e desmandos de empresários e grupos de poder locais.

Lúcio Flávio Pinto © Miguel Chikaoka

Lúcio Flávio Pinto © Miguel Chikaoka

Belém, 23 de janeiro de 2013Reconhecido no final do ano passado com o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, entre as várias homenagens recebidas por seu trabalho nos últimos anos, o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, que edita há 25 anos o Jornal Pessoal, foi novamente condenado pelo judiciário paraense. Desta vez, ele deverá pagar a quantia de R$ 410 mil (ou 600 salários mínimos) ao empresário Romulo Maiorana Júnior e à empresa Delta Publicidade S/A, de propriedade da família dele, também detentora de um dos maiores grupos de comunicação da Região Norte e Nordeste, as Organizações Romulo Maiorana.

A decisão da desembargadora Eliana Abufaiad, que negou o recurso interposto pelo jornalista no primeiro semestre de 2012, data de 21 de novembro de 2012, mas foi publicada apenas em 22 de janeiro com uma incorreção e, por causa disso, republicada nesta quarta-feira, dia 23. O jornalista vai recorrer da decisão, tentando levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas teme que a condenação seja confirmada.

Romulo Maiorana Júnior alega ter sofrido danos morais e materiais devido à publicação, em 2005, do artigo “O rei da quitanda”, no qual o jornalista abordava a origem e a conduta do empresário à frente de sua organização. Por causa desse texto, em 12 de janeiro do mesmo ano, Lúcio Flávio foi agredido fisicamente pelo irmão do empresário, Ronaldo Maiorana, junto com dois seguranças deste em um restaurante de Belém.

Depois da agressão, o jornalista também se tornou alvo de 15 processos judiciais, penais e cíveis, movidos pelos irmãos. Chegou a ser condenado em 2010 a pagar uma quantia de R$ 30 mil, mas recorreu da decisão do juiz Francisco das Chagas. A recente decisão da desembargadora Eliana Abufaiad, se confirmada, significará um duro golpe às atividades desempenhadas por ele, que não dispõe de recursos financeiros para arcar com as indenizações.

Lúcio Flávio Pinto, que já perdeu todas as vezes em que recorreu às condenações judiciais e vê nesses processos uma clara tentativa de impedimento à realização do seu trabalho junto à imprensa, lamenta o fato de juízes e o próprio Tribunal de Justiça do Pará não terem avaliado o mérito dos recursos por ele apresentados.

“Os tribunais se transformaram em instâncias finais. Não examinam nada, não existe mais o devido processo legal. E isso não acontece só comigo. São milhares de pessoas em todo o Brasil, todos os dias, que não têm direito ao devido processo legal. Em 95% dos casos julgados no país rejeitam-se os recursos. Não tem jeito”, afirma. Ele também informa que há outra ação judicial em curso, ainda a ser julgada, na qual Romulo Júnior pede R$ 360 mil de indenização também por danos morais e materiais.

Perseguição judicial – Lúcio ficou ainda mais conhecido no início de 2012 quando foi alvo de uma condenação que mobilizou pessoas e organizações, nacionais e estrangeiras, que o obrigaria a indenizar a família do falecido empresário Cecílio do Rego Almeida. O crime teria sido chamar de “pirata fundiário” o homem que tentou fraudar e se apropriar ilegalmente de quase 5 milhões de hectares de terras públicas, na região paraense do Xingu, denúncia posteriormente comprovada pelo próprio Estado.

Por fazer uma radiografia minuciosa e crítica da região, o que o tornou um dos maiores especialistas em temas amazônicos, e reportar tentativas de fraudes aos cofres públicos, erros e desmandos do poder judiciário local, o jornalista foi alvo de exatos 33 processos desde 1992.

Já sofreu agressões físicas e verbais por causa de seus artigos, sem declinar o direito de veicular informações de interesse público, em seu jornal quinzenal reconhecido pela qualidade do conteúdo em detrimento de uma produção quase artesanal.

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Próximo número do Jornal Pessoal sai até o final da semana

Capa do Jornal Pessoal nº 524

“Para mudar mesmo?” é o título da manchete do Jornal Pessoal de número 524, que estará disponível nas bancas de Belém até o final desta semana.

Não perca!

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Assista ao discurso de Lúcio Flávio Pinto na entrega do Prêmio Especial Vladimir Herzog 2012

O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto emocionou a plateia durante a entrega do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, realizada no dia 23 de outubro, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca). Lúcio Flávio e o jornalista Alberto Dines receberam o Prêmio Especial Vladimir Herzog 2012

O prêmio é promovido pelas seguintes entidades: Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo – OAB/SP; do Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo; da Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ; da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP; da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; do Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil – UNIC Rio; da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – ABRAJI; da Associação Brasileira de Imprensa – Representação em São Paulo – ABI/SP e do Instituto Vladimir Herzog.

Confira

Lúcio Flávio Pinto

Sinto-me em casa aqui em São Paulo, onde morei por cinco anos, me formei na Escola de Sociologia e Política – tem até um colega meu de escola aqui presente –, e nasceu minha primeira filha aqui.

Eu estava em Belém, em 1987, já com 21 anos de jornalismo, quando, um dia, fiz, depois de três meses de investigação, uma matéria sobre o assassinato do ex-deputado Paulo Fonteles de Lima, um dos crimes políticos mais graves que já ocorreu no Pará. E essa matéria estava redonda, completa (ela ganhou o Primeiro Prêmio Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas), e eu apresentei à diretora do [jornal] Liberal, que depois moveu cinco ações contra mim, e ela me disse que, infelizmente, não podia publicar porque envolvia dois dos maiores anunciantes da empresa, e um deles era considerado um dos homens mais ricos do Pará e outro, o maior armador fluvial do mundo.

E nós, jornalistas, já ouvimos esta frase várias vezes: “Ah, quer publicar? Faz o teu jornal”. Eu já havia experimentado fazer alguns jornais, disse: “Vou fazer um jornal para publicar essa reportagem”. Um jornal de custo mínimo, uma só pessoa, também sem qualquer possibilidade de dissidência (gargalhadas da plateia) e iria recusar publicidade. Primeiro jornal que recusaria publicidade. Me lembrei do Opinião, onde trabalhei também com Raimundo Rodrigues Pereira, e o Opinião disse: “Jamais a publicidade será superior a 20%”. Nunca precisou ter essa preocupação. Então, resolvi eliminar até essa preocupação metafísica.

Eu fiz o jornal, achando que o Jornal Pessoal fosse um jornal alternativo. Se fossem as teorias de Comunicação corretas, ele não precisaria existir, porque nós estamos no período da mais longa democracia da República brasileira. Mas eu vi que, ao longo do tempo – já se vão 25 anos –, o Jornal Pessoal  se especializou, involuntariamente, em publicar o que a grande imprensa não publica sobre a Amazônia. Não publica às vezes porque não sabe; não publica às vezes porque omite ou manipula, e os interesses que a Amazônia provoca hoje são mundiais. Neste momento, o maior trem de carga do mundo está fazendo a sua oitava viagem levando minério de ferro, o melhor minério de ferro do planeta, para a Ásia, 70% dele para a China e 20% para o Japão. É  maior trem de carga, leva quatro minutos, passando por determinados pontos, tem 330 vagões, quatro quilômetros de extensão.

Então, a imprensa não publica e o Jornal Pessoal se mantém porque simplesmente diz a verdade, e a verdade se tornou pecaminosa, tem de ser perseguida em plena democracia! O que acontece com nossa democracia, quando a justiça passa a ser o instrumento de perseguição?

Um grande cientista político alemão, Franz Neumann, analisou os julgados a República de Weimar, antes do Hitler – ele teve que fugir da Alemanha para os Estados Unidos. E ele mostrou que justiça de Weimar, da República Democrática de Weimar, julgava diferentemente as pessoas: os socialistas eram punidos violentamente, os nazistas, não. Nós estamos, no Brasil, numa justiça da República de Weimar e, por isso, a justiça, que é o esteio da democracia, hoje aparece nos sertões, nos limbos do Brasil, como a ameaça.

E entre esses 33 processos que o Audálio Dantas, grande personagem, modelo para todos nós, jornalistas, lembrou o caso de um grileiro, que grilou terras. E eu fui condenado a indenizar o grileiro por chamá-lo de grileiro. A justiça do Estado [do Pará] me condenou, reconhecendo a grilagem, e a justiça federal deu a decisão contra ele. Como eu não tinha dinheiro para pagar, e não tinha mais a que recorrer, porque o presidente do STJ, Ari Pargendler, ele simplesmente pegou as formalidadezinhas da lei e ignorou a substância e as próprias decisões do Superior Tribunal de Justiça. Resolvi não mais recorrer e, em 10 dias, os brasileiros, sobretudo de São Paulo, aderiram à nossa coleta e nós reunimos dinheiro suficiente para pagar.

Agora, o problema é pagar. Não existe nenhuma legislação da justiça brasileira do réu que quer pagar. Todo réu foge de pagamento. Eu quero pagar, porque no dia em que eu for pagar, em nome de 770 pessoas que me deram dinheiro para eu pagar, eu quero dizer: “Essa justiça é iníqua. Essa justiça não tem identidade nenhuma com a nação”. Então, esse pedido único na história do judiciário brasileiro está na mãos do juiz, o juiz não sabe o que fazer para eu pagar a minha indenização. Então, eu acho que, à parte os interesses corporativos, os empresariais, nós, jornalistas, temos que colocar a mão na nossa consciência e dizer: ‘Nós estamos sendo covardes? Nós estamos querendo fugir dos riscos? Nós estamos querendo ficar ao lado do computador, ao lado do telefone, não na linha de frente, olhando as pessoas e vendo o Brasil real?’

Hoje, com este prêmio que muito me emociona, vocês estão dizendo que aquele jornalzinho, lá em Belém do Pará, pequeno, que não tem foto, que não tem cor, não tem mulher nua, não tem colunista social, ele merece viver. Nós merecemos viver. Muito obrigado!

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A noite da homenagem a Lúcio Flávio Pinto e Alberto Dines na entrega do Prêmio Vladimir Herzog

O blog Todos com Lúcio Flávio Pinto esteve lá. Confira a cobertura.

Hoje, com este prêmio que muito me emociona, vocês estão dizendo que aquele jornalzinho, lá em Belém do Pará, pequeno, que não tem foto, que não tem cor, não tem mulher nua, não tem colunista social, merece viver. Nós merecemos viver. Muito obrigado! (Lúcio Flávio Pinto)

Lúcio Flávio Pinto recebeu o prêmio pelo conjunto de seu trabalho.

O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, recebeu, na última terça-feira (23), o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em cerimônia realizada no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca), na capital paulista. O paraense dividiu a homenagem com o jornalista, professor e escritor Alberto Dines, que comemora 80 anos de idade e 60 de profissão.

O prêmio é atribuído por uma comissão julgadora composta por membros de diversas entidades ligadas à comunicação e de defesa dos direitos humanos, contemplando  trabalhos realizados por jornalistas brasileiros nas categorias artes, criança de em situação de rua (especial), fotografia, internet, jornal, rádio, revista, documentário de TV e reportagem de TV. Foram concedidas menções honrosas nas mesmas categorias, sendo um dos um dos agraciados o também paraense Ismael Machado, do Diário do Pará, pelo Dossiê Curió.

Integram a comissão julgadora representantes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo – OAB/SP; do Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo; da Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ; da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP; da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; do Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil – UNIC Rio; da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – ABRAJI; da Associação Brasileira de Imprensa – Representação em São Paulo – ABI/SP e do Instituto Vladimir Herzog.

A noite também foi de entrega do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, que chegou à quarta edição valorizando trabalhos acadêmicos na área de jornalismo. Três equipes de diferentes universidades brasileiras, coordenados por um professor, terão a oportunidade de desenvolver a pauta proposta por elas mesmas sob a supervisão de um jornalista profissional. Este prêmio é uma realização do Instituto Vladimir Herzog.

Estiveram presentes, entre outros, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade; Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog; e a família do ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido político no período da ditadura militar e tema da reportagem de TV premiada de Miriam Leitão para a Globo News (“Caso Rubens Paiva: uma história inacabada”).

José Roberto de Toledo, vice-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e membro da comissão organizadora, abriu o evento lembrando que a entrega da premiação coincidia com a publicação de dados relacionados ao aumento da violência em São Paulo e que se estendiam também ao trabalho dos jornalistas. Ele se reportava ao caso do repórter André Caramante, da Folha de São Paulo, que precisou se exilar depois de ter publicado matéria sobre o coronel reformado da Polícia Militar Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, que usa sua página no Facebook para pregar a violência e passou a incitar o público contra o jornalista. Caramante decidiu sair do país depois que sua família passou a ser perseguida por policiais à paisana.

Toledo também se reportou ao fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares no ranking de países latino-americanos que mais apresentam investidas contra jornalistas. Ao fazer esta menção, ele citou a situação do jornalista Lúcio Flávio Pinto, que enfrenta 33 processos na justiça, interpostos por empresários, servidores públicos e juízes. Por causa disso, informou, a próxima temática do prêmio Vladimir Herzog será “Violência e agressões físicas e morais contra jornalistas”.

Já a ministra Maria do Rosário, em seu discurso, ressaltou o papel da Comissão da Verdade no exercício do “inalienável direito de saber” sobre o “tempo triste de censura e tortura” no Brasil, e destacou a necessidade de se forjar uma “cultura de direitos humanos” na sociedade. Para ela, é essa cultura que vai ajudar a melhorar e a mover as ações do Estado, que deve zelar pelo cumprimento dos direitos humanos, “o que nos faz acreditar naquilo que Vladimir Herzog pregava”. A ministra aproveitou para falar sobre a situação de violência que vivem os índios Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, afirmando que o governo está atento às circunstâncias para que os indígenas tenham direito de viver sua etnia.

Homenageados – Coube ao jornalista alagoano Audálio Dantas, um dos grandes nomes da comunicação brasileira, fazer a saudação aos dois homenageados da noite. Ao falar sobre Lúcio Flávio Pinto, ressaltou a importância do Jornal Pessoal que, em 25 anos de publicação, tem sido uma das principais fontes de referência sobre a Amazônia. Segundo ele, para se conhecer profundamente a região nos dias atuais, há de se consultar o que escreve Lúcio Flávio em seu jornal e em seus livros. “É uma instituição amazônica [para] quem quiser saber sobre a Amazônia, principalmente o que a Amazônia tem de riqueza e de pobreza, essa pobreza que se choca com essa riqueza, essa riqueza que é explorada de todas as maneiras, e muitas vezes de maneira ilegal”, afirmou.

E ressaltou: “O Lúcio Flávio é o único que sustenta hoje, no Brasil, um jornal que se pode chamar de alternativo, porque faz esse jornal sozinho há 25 anos desde o momento em que as suas matérias, a maioria das quais de críticas severas contra a exploração desordenada e violenta da Amazônia, não encontravam mais espaço nos veículos da grande imprensa. Então, ele resolveu fazer o seu jornal, que não aceita publicidade, porque ele considera que, ao aceitar, assume compromisso que sua consciência não permite”.

Destacou a coragem de Lúcio Flávio em continuar a exercer seu jornalismo mesmo pressionado pelas ações que estão em curso nos dias atuais. “O Lúcio Flávio é vítima daquilo que chama hoje, no Brasil, de censura togada. São aqueles juízes que, acima da Constituição, mandam jornalistas se calar. Ele nunca se calou e por isso…” Citou especialmente a condenação sofrida pelo jornalista em indenizar os herdeiros do megaempresário Cecílio do Rego Almeida, mesmo tendo sido comprovadas as denúncias feitas por Lúcio da grilagem de 5 milhões de hectares na região do Xingu; e mesmo que a justiça federal tenha determinado o cancelamento de todos os registros de terras feitos de forma fraudulenta, conforme procedimentos apurados e publicados por Lúcio Flávio em seu jornal, em 1999.

“Continua valendo [a condenação], porque ele não tinha o dinheiro para pagar essa indenização. Mas ela produziu, ao mesmo tempo, um formidável movimento de solidariedade que se espalhou por todo o país, principalmente por jornalistas que disseram: ‘Todos nós somos Lúcio Flávio Pinto’. É esse camarada aqui”, apontou para Lúcio Flávio, sendo bastante aplaudido pela plateia. “Isto valia ser dito aqui, porque simboliza um protesto contra essa censura que permanece, aqui e ali, em defesa, na maioria das vezes, de interesses peculiares”, encerrou.

Dantas, ao se referir a Alberto Dines, apontou a sua dedicação à causa do jornalismo brasileiro, desde os anos de 1950. “Ele tem sido um mestre”, enfatizou. “Quando o jornalismo brasileiro passava por modificações importantes, principalmente no Rio de Janeiro, ele foi um dos profissionais da linha de frente dessas transformações, passando por várias publicações, entre as quais, a Última Hora, que é enfim uma revolução jornalística; e depois a transformação do Diário da Noite. E já no começo dos anos 60, em 1962, seria o editor-chefe, o tocador da maior reforma jornalística já ocorrida no país, no século passado, que foi o Jornal do Brasil”, relembrou. Também ressaltou o pioneirismo e a competência de Dines no exercício da crítica da mídia, na direção do portal Observatório da Imprensa.

Em seguida, Lúcio Flávio Pinto e Alberto Dines discursaram para agradecer a homenagem. Leia os discursos a seguir.

Ao final da cerimônia, Lúcio Flávio e Audálio Dantas autografaram seus novos livros: A Amazônia em questão: Belo Monte, Vale e outros temas (B4! Editores) e As duas guerras de Vlado Herzog (Editora Civilização Brasileira), respectivamente.

O Prêmio Vladimir Herzog foi instituído em 1978 por um conjunto de instituições ligadas ao jornalismo e aos direitos humanos, tendo por objetivo valorizar os trabalhos nas áreas da cidadania e dos direitos humanos; homenagear profissionais que se destacam no setor e, ainda, reverenciar a memória de Vladimir Herzog, jornalista morto nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, durante a ditadura militar.

Confira aqui a lista de todos os premiados.

Discursos

Lúcio Flávio Pinto

Sinto-me em casa aqui em São Paulo, onde morei por cinco anos, me formei na Escola de Sociologia e Política – tem até um colega meu de escola aqui presente –, e nasceu minha primeira filha aqui.

Eu estava em Belém, em 1987, já com 21 anos de jornalismo, quando, um dia, fiz, depois de três meses de investigação, uma matéria sobre o assassinato do ex-deputado Paulo Fonteles de Lima, um dos crimes políticos mais graves que já ocorreu no Pará. E essa matéria estava redonda, completa (ela ganhou o Primeiro Prêmio Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas), e eu apresentei à diretora do [jornal] Liberal, que depois moveu cinco ações contra mim, e ela me disse que, infelizmente, não podia publicar porque envolvia dois dos maiores anunciantes da empresa, e um deles era considerado um dos homens mais ricos do Pará e outro, o maior armador fluvial do mundo.

E nós, jornalistas, já ouvimos esta frase várias vezes: “Ah, quer publicar? Faz o teu jornal”. Eu já havia experimentado fazer alguns jornais, disse: “Vou fazer um jornal para publicar essa reportagem”. Um jornal de custo mínimo, uma só pessoa, também sem qualquer possibilidade de dissidência (gargalhadas da plateia) e iria recusar publicidade. Primeiro jornal que recusaria publicidade. Me lembrei do Opinião, onde trabalhei também com Raimundo Rodrigues Pereira, e o Opinião disse: “Jamais a publicidade será superior a 20%”. Nunca precisou ter essa preocupação. Então, resolvi eliminar até essa preocupação metafísica.

Eu fiz o jornal, achando que o Jornal Pessoal fosse um jornal alternativo. Se fossem as teorias de Comunicação corretas, ele não precisaria existir, porque nós estamos no período da mais longa democracia da República brasileira. Mas eu vi que, ao longo do tempo – já se vão 25 anos –, o Jornal Pessoal  se especializou, involuntariamente, em publicar o que a grande imprensa não publica sobre a Amazônia. Não publica às vezes porque não sabe; não publica às vezes porque omite ou manipula, e os interesses que a Amazônia provoca hoje são mundiais. Neste momento, o maior trem de carga do mundo está fazendo a sua oitava viagem levando minério de ferro, o melhor minério de ferro do planeta, para a Ásia, 70% dele para a China e 20% para o Japão. É  maior trem de carga, leva quatro minutos, passando por determinados pontos, tem 330 vagões, quatro quilômetros de extensão.

Então, a imprensa não publica e o Jornal Pessoal se mantém porque simplesmente diz a verdade, e a verdade se tornou pecaminosa, tem de ser perseguida em plena democracia! O que acontece com nossa democracia, quando a justiça passa a ser o instrumento de perseguição?

Um grande cientista político alemão, Franz Neumann, analisou os julgados a República de Weimar, antes do Hitler – ele teve que fugir da Alemanha para os Estados Unidos. E ele mostrou que justiça de Weimar, da República Democrática de Weimar, julgava diferentemente as pessoas: os socialistas eram punidos violentamente, os nazistas, não. Nós estamos, no Brasil, numa justiça da República de Weimar e, por isso, a justiça, que é o esteio da democracia, hoje aparece nos sertões, nos limbos do Brasil, como a ameaça.

E entre esses 33 processos que o Audálio Dantas, grande personagem, modelo para todos nós, jornalistas, lembrou o caso de um grileiro, que grilou terras. E eu fui condenado a indenizar o grileiro por chamá-lo de grileiro. A justiça do Estado [do Pará] me condenou, reconhecendo a grilagem, e a justiça federal deu a decisão contra ele. Como eu não tinha dinheiro para pagar, e não tinha mais a que recorrer, porque o presidente do STJ, Ari Pargendler, ele simplesmente pegou as formalidadezinhas da lei e ignorou a substância e as próprias decisões do Superior Tribunal de Justiça. Resolvi não mais recorrer e, em 10 dias, os brasileiros, sobretudo de São Paulo, aderiram à nossa coleta e nós reunimos dinheiro suficiente para pagar.

Agora, o problema é pagar. Não existe nenhuma legislação da justiça brasileira do réu que quer pagar. Todo réu foge de pagamento. Eu quero pagar, porque no dia em que eu for pagar, em nome de 770 pessoas que me deram dinheiro para eu pagar, eu quero dizer: “Essa justiça é iníqua. Essa justiça não tem identidade nenhuma com a nação”. Então, esse pedido único na história do judiciário brasileiro está na mãos do juiz, o juiz não sabe o que fazer para eu pagar a minha indenização. Então, eu acho que, à parte os interesses corporativos, os empresariais, nós, jornalistas, temos que colocar a mão na nossa consciência e dizer: ‘Nós estamos sendo covardes? Nós estamos querendo fugir dos riscos? Nós estamos querendo ficar ao lado do computador, ao lado do telefone, não na linha de frente, olhando as pessoas e vendo o Brasil real?’

Hoje, com este prêmio que muito me emociona, vocês estão dizendo que aquele jornalzinho, lá em Belém do Pará, pequeno, que não tem foto, que não tem cor, não tem mulher nua, não tem colunista social, ele merece viver. Nós merecemos viver. Muito obrigado!

Alberto Dines

(Reproduzido do Observatório da Imprensa)

O melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando. Somos escravos do efêmero, vítimas da fragmentação; assim como aos equipamentos, querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar, descontinuar. O reconhecimento é a nossa chance – ainda que fugaz – de avisar que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais do que medalhas de ouro – aliás, a única que recebi nos últimos 60 anos foi roubada num arrastão no meu prédio.

Também sabemos conviver com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o inspirador deste prêmio, os objetivos da premiação e os companheiros premiados simbolizam os mais preciosos valores da arte jornalística – solidariedade, decência, dedicação.

Esta é uma festa, não é hora para lamentar a suprema ironia de, sendo arautos das mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre, estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto por neologismos como “monetização”, “modelo de negócios”, “terceirização”, “outsourcing”, “sinergia”, “aliança estratégica”, “desativação”, “obsolescência”.

Éramos marginais no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois nos transformaram em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem, seremos empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram espaços. Mas, por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais porque de lá voltarão emitindo grunhidos com 140 caracteres.

Não pensem que o mundo é movido por gadgets, o mundo é movido por ideias, por gente. Sócrates, pai da filosofia, não sabia ler nem escrever e inventou o diálogo.

A informação hoje ou é codificada através de números ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um vale-tudo que virou retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da moral está a reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje querem de nós apenas meias verdades. Às vezes, apenas meias meias-verdades. Desde que abençoadas pelo capelão da empresa. Deo gratias.

Mesmo assim, estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog, irmanados pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas sabemos desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa especialidade.

Contar a história

A absurda tese do suicídio de Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto nas dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente um dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da imprensa marrom chamado Claudio Marques, que sugeria cinicamente sua internação no “Tutóia Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi.

Herzog era tímido, não me conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de difamação contra ele empreendida pelo colunista do Shopping News. Fiz uma denúncia no “Jornal dos Jornais” [coluna dominical de crítica de mídia publicada na Folha de S.Paulo entre julho de 1975 e julho de 1977], não adiantou: uma semana depois, Vladimir Herzog foi assassinado.

Claudio Marques, jamais foi convocado a prestar contas sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na redação da Folha de S.Paulo, fazia parte da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do coronel Erasmo Dias, assíduo em outras redações paulistanas.

Cabe a nós completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio ou sem prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados, jamais seremos descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem papel, nosso papel é intransferível.

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Aniversário de Lúcio Flávio Pinto: o que você desejaria a ele hoje?

A vantagem de mediar um blog como esse, criado em solidariedade a uma pessoa, é que a existência dela ajuda a nos pautar.

Pois bem, para quem não sabe, hoje, dia 23 de setembro, é aniversário de Lúcio Flávio Pinto, jornalista, editor do Jornal Pessoal e amigo querido de muitos – e também inimigo declarado de quem não consegue ou está acostumado a lidar com a contrariedade e a autocrítica.

Lúcio Flávio Pinto, pelo olhar do irmão e grande companheiro de JP, Luiz Pinto

Quem o conhece pessoalmente reconhece logo de cara que a amabilidade é uma de suas características mais notáveis. Sua mente aguçada e ironia simpática também o tornam uma presença cativante.

E quantos de nós imaginariam que a gentileza e a simplicidade seriam as marcas maiores de uma figura considerada incômoda por fazer do jornalismo ferramenta de inquietação e questionamento de “verdades”, para o bem e lucidez de muitos e para o mal e indigestão de outros tantos.

E isso faz do Jornal Pessoal um patrimônio, por representar um espaço rico de discussão dos problemas comuns numa cidade como Belém, cujos lugares para isso estão cada vez mais restritos, seja pela dificuldade de acesso pelo cidadão comum ou pela escassez de oportunidades.

Para celebrar a data, o blog Todos com Lúcio Flávio Pinto organizou alguns votos ao aniversariante, mas que, realizados, seriam um presente a toda a sociedade:

1. Garantia do direito à liberdade de opinião e de imprensa, o que implica não ser inquietado por opiniões, assim como procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão, assim como previsto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 19º. Do mesmo modo, a Constituição Federal Brasileira, por meio do artigo 220, Capítulo V, apregoa que os cidadãos têm o direito à “manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,  sem qualquer restrição”.

E como isso seria possível? Por avaliações judiciais mais isentas de motivações políticas, o que provavelmente resultaria na eliminação de uma boa parte das dezenas de processos que lhe consomem as energias e outros recursos – e lhe devolveriam o tempo necessário à boa prática do jornalismo e do que mais lhe interessar.

2. Pares e adversários mais dispostos ao diálogo, para tornar o esforço empreendido junto ao Jornal Pessoal menos solitário e diminuir a impressão de que poucos compartilham o incômodo quanto aos problemas da realidade em que vivemos. 

Na prática, isso exige dos governos e de mais entidades da sociedade civil organizada a criação de fundos de financiamento e o reconhecimento de novos e muitos veículos de comunicação independentes, o que pressupõem a criação, a revisão e a execução de políticas públicas para a concessão, legalização e fomento de rádios e TVs comunitárias, por exemplo.

3. Ainda mais saúde, energia e lucidez para cumprir a função social do jornalismo em que todos acreditamos: apontar o que não está bom e pode, precisa, exige ou clama por melhora; de falar por quem é usualmente silenciado nos espaços em que as políticas são decididas; de considerar a diferença; incluir a diversidade; dialogar com múltiplos.

E isso também requer a compra do jornal por mais leitores, para que os mesmos não “encalhem” nas bancas e tanto trabalho não seja em vão, porque não é justo ser financeiramente sufocado pela produção de um periódico que mal cobre os próprios custos. Também acrescentamos aí neste item do pacote a maior liberdade para viajar e cobrir in loco o que acontece na região amazônica.

4. Ah, e porque não morremos (e vai que alguma entidade divina resolve ler o blog e realizar os pedidos), também desejamos um prefeito para Belém digno da missão que o aguarda e o Jornal Pessoal tanto aponta: recuperar a dignidade e o brilho de uma cidade que um dia já se afirmou cosmopolita – talvez mais por arrogância do que por competência. Um gestor inteligente o suficiente para entender que isso não será possível sem o diálogo e a sensibilidade de ouvir o que os diferentes grupos realmente querem e precisam (e que o jornalismo, se bem feito, pode ser um mediador fundamental nesse processo).

Como também não queremos monopolizar o espaço de desejos, sugerimos que outros participantes incluam os seus nos comentários, até mais tangíveis que os nossos, sob o compromisso de que cada um deles lhes será enviado por email, como uma carta final em conjunto de todos nós. Todos com Lúcio Flávio Pinto.

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O homem do Jornal Pessoal: entrevista com Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto © Maria Christina

O blog fará nesta semana uma homenagem ao jornalista Lúcio Flávio Pinto pelos 25 anos de existência do Jornal Pessoal. Começa com esta entrevista feita pelos jornalistas Brenda Taketa, Fabrício de Paula, Joice Santos, Rose Silveira e Tatiana Ferreira, e vai prosseguir com outras imagens e comentários sobre o trabalho dele.

Visite o blog esta semana para ver os próximos posts e esperamos que os leitores também participem.

***

O que você perguntaria a Lúcio Flávio Pinto, editor paraense do Jornal Pessoal, que completa 25 anos em setembro, para entender o que o motiva a continuar com um periódico que mal arca com os próprios custos ao mesmo tempo em que incomoda a tantos grupos e causa tanta polêmica em uma cidade como Belém?

Foi com essa intenção que o blog Somos Todos Lúcio Flávio Pinto reuniu perguntas de cinco jornalistas interessados em conhecer um pouco do mundo que o jornalista crê possível, ou apenas entender o que o (co)move.

O questionário foi enviado por e-mail e gentilmente devolvido da mesma forma, com respostas marcadas pela força de um homem que cansa, lamenta perdas pessoais e sente falta do fechamento das redações diárias dos jornais, mas acima de tudo acredita na possibilidade de resistência empreendida pelo trabalho que realiza.

E, em algum ponto da história, fica claro que a camisa virou pele: a pessoa, quando pressionada a fazer escolhas que envolvem a vida íntima e a profissional, opta ou prioriza com veemência o exercício do jornalismo capaz de registrar – e, por que não, confrontar – o que considera uma história única e grandiosa de ocupação da região amazônica, no mais antigo e colonial sentido que há para o termo, como explica adiante.

Ação de apoio a LFP em março, no Ministério Público Federal do Pará © Miguel Chikaoka

Como o Jornal Pessoal se sustenta? Como é possível dar conta das necessidades e despesas familiares com um jornal feito de forma quase artesanal, sem colaboradores e publicidade? Quem compra o Jornal Pessoal?

Lúcio Flávio Pinto – O Jornal Pessoal arca com seus custos. Eu, com os meus. Ambos vamos levando a vida na flauta. O jornal, ao excluir a receita de publicidade do seu universo, fez uma opção mais do que franciscana pela pobreza. Eu não tive alternativa senão partilhar a escolha. Ao menos enquanto o jornal existir. Quem o compra, em primeiro lugar, é quem pode pagar cinco reais pelo exemplar de um jornal pobre. Mas que o procura por seu conteúdo. É a classe média alta e média. Mas, felizmente, também há leitores nas camadas de renda inferior.

Capa da primeira edição do Jornal Pessoal

Para quem o assiste sem muito contato ou diverge de seus pontos de vista político, já que o jornal, como o próprio nome diz, é pessoal, fica uma pergunta: há colaboradores ou apoiadores financeiros do seu trabalho que não sejam publicamente declarados? Você omite ou omitiria informações e fontes nesse sentido?

Lúcio Flávio Pinto – Tive um colaborador que me ajudava a pagar apenas as despesas de postagem de jornais que envio como cortesia para vários lugares do Brasil e do exterior, além de Belém mesmo. Essa pessoa não pôde manter essa ajuda. Como pediu sigilo, nunca revelei seu nome. Sem sua participação, tive que reduzir o número de cortesias, mas elas persistem. Essas pessoas se dispõem a pagar assinaturas, mas como não tenho condições de organizar esse serviço, envio-lhes gratuitamente os exemplares, porque sua leitura do JP é fundamental para mim. Elas me dão um retorno nacional e internacional. Um amigo compra 20 exemplares de cada edição e os distribui entre os amigos. Nunca houve alguém que financiasse ou ajudasse o JP em suas despesas, um mecenas.

Por que a inserção do Jornal Pessoal na internet ainda é tão tímida, se a maior parte dos seus leitores está na rede e encontra lá um espaço mais democrático para debater temas como liberdade de expressão?

Lúcio Flávio Pinto – Por pura inibição minha. Tenho uma reação espontânea e quase automática a essa tecnologia. Aproximo-me dela através de amigos e do meu filho, Angelim, formado em ciência da computação. Sou um cego que ele guia pelo mundo virtual. No entanto, em todos os momentos de crise recorro intensamente à internet. Tem sido minha tábua da salvação nessas ocasiões. Seu poder de difusão e mobilização é estupendo, sem igual.

Se algo pessoal lhe acontecesse, como um escândalo familiar que de alguma forma envolvesse a cena pública, o jornalista, ou editor, seria capaz de transformar o fato em manchete do jornal? Acreditar ser possível separar o jornalista da pessoa? Se sim, a qual vínculo acreditaria ser provável manter a lealdade em um momento assim: à família ligada pelo DNA ou à reunida pela profissão no decorrer dos anos?

Lúcio Flávio Pinto – Sempre fiz a opção pela profissão, desde o início da carreira, 46 anos atrás. Na crise que envolveu meu pai, em 1967/68, quando ele era prefeito de Santarém, o jornal no qual eu trabalhava então, A Província do Pará, lhe fazia oposição sistemática e nem sempre era correto no noticiário. Em certo momento, ocupei interinamente a secretaria do jornal, com 18 anos. Podia jogar a força do meu cargo para pelo menos conseguir maior isenção, mas nada fiz. Preferi ficar fora dessa cobertura, mesmo vendo a movimentação pela redação dos inimigos dele, que viciavam o noticiário. Papai não gostou muito da minha posição, mas a respeitou. Nunca hesitei em outros momentos que se seguiram e acho que manterei essa diretriz sempre.

Quem foram e ainda são os seus principais interlocutores nos debates realizados pelo jornal?

Lúcio Flávio Pinto – Há leitores que me acompanham há décadas. Tive o privilégio de assinar coluna quando tinha três meses de profissão e mal havia completado 17 anos. Assim pude expressar minha opinião e fazer interpretações, além de noticiar fatos e relatar acontecimentos. Esses velhos leitores sempre dialogaram comigo, mesmo quando eu enviava meu material de São Paulo. Alguns nunca se manifestaram publicamente. Outros, de vez em quando, remetem suas cartas. Meu dialogo com as fontes é feito pessoalmente, o que muito me ajuda.

Você se sente só no exercício do jornalismo? Após a condenação que o obriga a indenizar o responsável por um megaesquema de grilagem na região, o que representou o movimento Somos Todos Lúcio Flávio Pinto, organizado em seu favor e responsável por manifestos de apoio e pela arrecadação de recursos para o pagamento da quantia?

Lúcio Flávio Pinto – O movimento muito me sensibilizou e ainda me anima porque em nada dependeu de mim. Foi iniciativa espontânea, generosa e competente. Ajuda-me muito a não me sentir só. A sensação de solidão é muito forte nas dependências do judiciário e nos autos do processo. E impõe a sensação de que estou condenado a girar na quadratura do círculo, num movimento surreal, absurdo.

Além das ações judiciais, você já foi vítima de agressões físicas e verbais por parte de pessoas que se sentiram atingidas por seus artigos – para relembrar, em 2005 o empresário Ronaldo Maiorana, das Organizações Romulo Maiorana, apoiado por dois seguranças armados, o agrediu fisicamente e o ameaçou de morte dentro de um restaurante lotado; e há poucos meses, o juiz Amílcar Guimarães, que o condenou a pagar indenização aos herdeiros do grileiro Cecílio do Rego Almeida, o ofendeu em sua página pessoal no Facebook, fato que teve repercussão na imprensa e na internet, assim como o empresário Rodrigo Chaves, da empresa Progec, citado na denúncia de fraude cometida contra a Sudam por parte dos empresários Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana. Rodrigo Chaves também o agrediu verbalmente em um restaurante. O que ocorreu depois desses fatos e o que ficou para você dessas experiências?

Lúcio Flávio Pinto A agressão física é um dos momentos mais tristes na relação humana. É o desrespeito por parte do agressor, que tenta se impor através de um meio que ele julga ser o único para resolver diferenças: a violência. O agredido, quando não concorda com essa forma de resolução de litígio, precisa de muita força moral e de densidade ética para reagir à altura da ofensa sem se reduzir ao elemento animalesco que lhe tentam impor. É um momento trágico da condição humana. Felizmente tenho conseguido reagir diante dessas e de outras muitas agressões do passado de uma forma civilizada e ao mesmo tempo enérgica. Não aceito que violem meus direitos e defenderei minha dignidade até o fim, sem concessões. Meus agressores não devem ter ilusões: mesmo recorrendo ao ato físico, não me intimidaram. Causando danos à minha saúde e à minha condição financeira, decidi manter o meu jornal justamente porque qualquer outro destino que lhe desse poderia ser interpretado como rendição. O jornal já podia ter acabado. Seria seu destino quase natural diante de tantas dificuldades para se manter. Mas tenho feito tudo ao meu alcance para que isso só aconteça quando ele já não precisar mais ser um símbolo, uma bandeira de luta, de resistência.

Belém vive um dos seus piores momentos políticos, além de problemas como o crescimento desordenado da cidade, a violência, o trânsito caótico e a falta de saneamento básico. Você descreveu muito bem esse quadro no JP de nº 519. Como avalia a participação da sociedade civil nos momentos decisórios relacionados ao futuro da cidade? Pessoalmente, o que você espera das próximas eleições?

Lúcio Flávio Pinto – Já declarei que vou anular o meu voto no primeiro turno. No segundo, vou escolher o “menos pior”. Belém deverá continuar sua trajetória de retrocesso. Não interessa quem tenha sido o prefeito nas últimas décadas: comparativamente, a cidade caiu de posição em qualidade de vida. É atualmente uma das piores capitais estaduais para se viver, se não a pior. A sociedade se desmobilizou e a opinião pública se desfez, amedrontada entre duas organizações de comunicações que se digladiam pelo controle do poder, sem admitir terceira via ou que lá seja de expressão social independente e autônoma.

O que é necessário renunciar para dar conta do trabalho? Do que o Lúcio abre mão para dar conta do empreendimento a que se propôs com o jornal? E que empreendimento seria esse, se puder definir?

Lúcio Flávio PintoPraticamente abri mão da minha vida privada. O jornal só continuou a circular porque me transformei numa máquina de trabalhar, sem férias, quase sem lazer, sem o tempo necessário para cultivar os que amo e estão próximos de mim. Abri mão até dos meus projetos de maior envergadura, os que atendiam todos os meus anseios criativos, para dar conta do cotidiano, desse dia a dia incrível da vida na Amazônia. A conjuntura me sufocou, me impedindo de realizar alguns dos projetos que concebi ou deixei incompletos porque exigiam muito mais tempo e distanciamento.

Qual a recompensa de continuar, apesar de tantos processos judiciais e embates políticos, interpessoais, incluindo também a falta de apoio, reconhecimento e mesmo de liberdade para fazer o próprio trabalho? Em outras palavras: o que o motiva a continuar? Quais fatores, pessoas e sentimentos fazem valer a pena seguir adiante?

Lúcio Flávio Pinto – A possibilidade de fazer parte de uma história única e grandiosa como essa da conquista da Amazônia, da sua ocupação, no velho sentido colonial, da imposição da vontade e dos interesses do colonizador. E a possibilidade única de romper essa lógica colonial, que devastou a África e a Ásia.

Já pensou em desistir em algum momento nos últimos 25 anos? Em qual?

Lúcio Flávio Pinto – Várias vezes. É um pensamento recorrente. Quando fui agredido, estava com esse propósito. O desgaste de manter o jornal é grande.

 Já se arrependeu ou lamentou algum ato ou fato decorrente do que acredita ser essencial ao trabalho?

Lúcio Flávio Pinto – Lamentei ter-me desligado espontaneamente de O Estado de S. Paulo. Eu tinha 18 anos ininterruptos na empresa. Segundo a mística da “casa”, me tornara móveis e utensílios. Ficaria ali até me aposentar. Meu desligamento foi um ato de protesto pela desistência do projeto amazônico, pelo qual tanto me empenhei. Mas perdi a base de sustentação, que permitia minha manutenção financeira, e as condições para viajar pela Amazônia. Não me arrependi porque minha decisão foi correta. Mas lamentei as perdas.

Entre o que se perde com o tempo, do que e de quem sente falta, profissional e pessoalmente, seja pelos rumos que toma a própria vida ou mesmo em função do agir profissional?

Lúcio Flávio Pinto – Foram muitas as perdas. As maiores são íntimas, pessoais, que convém guardar no lugar mais protegido do ser. Profissionalmente, sinto a perda do convívio nas redações e o processamento de fechamento das edições diárias dos jornais.

Se pudesse largar tudo hoje, o que você faria em seguida?

Lúcio Flávio Pinto – Procurar nova forma de existência, de sobrevivência, de realização e de utilidade social. Depois de vencer o vácuo e a inércia, é claro. Não se passa de uma condição como esta em que me encontro para outra sem impacto.

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